Após um incêndio na subestação de energia em Macapá, treze municípios do estado ficaram sem energia.

“Para mim ficou claro que a região Norte é dispensável para o Brasil, essa que é a verdade. Nunca que uma cidade do Sudeste ou do Sul que são, teoricamente, o centro econômico do Brasil, teria passado um dia nessa situação” afirma Gilberto Santiago, morador do Macapá, após vivenciar o “completo caos” vivido no apagão do Amapá: vinte e dois dias em um completo breu.

Questão de tempo: 31 dias após o apagão e a contagem de cada segundo na escuridão

De uma maneira mais concisa, é possível afirmar que o tempo e os dias passam de forma idêntica em quase todos os cantos do Brasil. Seja na região sul ou na norte, em climas frios ou quentes, a duração de um dia equivale à 24 horas nos ponteiros de um relógio. Porém, a palavra “quase” destacada no texto aborda sobre a importância de compreender que a relatividade do tempo está relacionado às condições empregadas no cotidiano de vida de determinados locais, transmitindo a sensação que alguns momentos passam mais rápido que os outros dependendo do local.

Nesta perspectiva de relacionar-se com o tempo, os moradores de Amapá convivem com o despreparo do Estado em restabelecer o fornecimento de energia elétrica, de forma completa e diária, há mais de um mês. Para quem não recorda, a situação de calamidade na vida dos amapaenses começou no dia 3 de novembro, com um incêndio na concessionárias Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) que, na época, alegou que um raio atingiu um dos transformadores da subestação – versão descartada posteriormente pelo laudo da Polícia Civil, que ainda investiga a causa do incêndio, mas tudo aponta para a má manutenção da base. 

Durante a primeira semana do apagão, moradores se manifestaram nas ruas do Amapá | Imagem: Tarsis Costa

Deste então, algumas soluções temporárias foram direcionadas para a população da região – como o racionamento de energia a cada 6 horas da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), que depois passou por alterações na duração do tempo e diminuiu para a cada 3 horas – que mostraram-se não ser métodos eficazes na entrega completa de distribuição nos treze municípios atingidos pelo apagão na subestação da Isolux. 

Visita do presidente e a falsa esperança de melhorias

“O Governo Federal foi super irresponsável. Sabia dos problemas do transformador há mais de dois anos, a empresa está falida. Bolsonaro veio aqui, apertou um botão e demorou mais quatro ou cinco dias para começar a voltar normalizar algumas coisas. Sinceramente, foi mais para fazer mídia e política.” desabafou Gilberto, que, após todo o descaso público relata estar decepcionado com os governantes da sua terra. 

O presidente Jair Bolsonaro esteve presente no Amapá após 19 dias de calamidade e afirmou que tudo o que poderia ser feito para restabelecer a energia na região, foi feito. Nas redes sociais, no entanto, houve críticas à falta de atuação do presidente, tanto da população local, quanto de atuantes na política. 

Para Vinicius Silva, morador de Macapá e estudante de biomedicina, o despreparo para encontrar meios de restabelecer a energia elétrica em um Estado localizado no extremo norte do Brasil demonstra o descaso da gestão Federal com as vidas da região. “Não foi só com o apagão que convivemos nesse último mês, mas também com a falta de responsabilidade da gestão municipal, estadual, federal e das iniciativas privadas que firmaram um compromisso com a questão de energia elétrica. O presidente só apareceu aqui depois de três semanas! Sabe o que isso significa? Abandono!”, desabafa.

Segundo os relatos de moradores nas redes sociais, mesmo com a garantia de normalização de fornecimento de eletricidade por parte do Governo Federal e da CEA, as regiões mais periféricas do Estado ainda enfrentam a queda repentina e frequente de luz. É o caso de Mariana Rodrigues, moradora da zona norte norte de Macapá, que relata apreensão e crises de ansiedade a cada queda de fornecimento elétrico, pois compartilha do receio do retorno ser mais demorado do que o previsto. 

O “novo normal” amapaense que aponta o descaso público 

As consequências de conviver com um cenário de preocupação constante gerado através de quem deveria gerir uma condição mais digna de vida contribui consideravelmente nesse sentimento de desigualdade no tratamento recebido entre regiões do Brasil. Com a demora no deslocamento e nas ações praticadas pela esfera Federal para restabelecer uma questão que reflete na segurança, economia e saúde – que são direitos fundamentais na Constituição Brasileira e da responsabilidade do Estado -, é possível afirmar que algumas situações correm sérios riscos de não receberem a devida atenção ou ficarem em segundo plano na gestão atual. 

Tal afirmação é baseada nas atitudes registradas dos representantes do Governo durante a crise do apagão. Um contexto bastante preocupante, pois envolve vidas e direitos humanos em um momento delicado de pandemia do coronavírus no Brasil, que atravessa uma possível segunda onda de Covid-19. 

Além das críticas nas redes, os moradores manifestaram a indignação com a ausência do básico | Imagem: Tarsis Costa

Apesar da situação de calamidade pública ter chamado atenção para o estado, Igor Reale, que afirma morar em um ponto privilegiado e, por isso, já possui maior estabilidade em sua região, aponta que, apesar dos altos valores nas contas de luz, as quedas de energia eram comuns. “O apagão fez o povo prestar atenção nessa falta de luz ocasional que tem aqui, mas os municípios ainda sofrem. Pedra branca do Amapari passou, eu acho, 32 horas sem energia elétrica e eles já relataram falta de luz, isso acontece sempre nos municípios daqui”

“Acredita que ainda há municípios e distritos sofrendo com a falta de energia?” questiona a jornalista Luiza Nobre, que, desde o início do apagão, vem fazendo a cobertura dos municípios que sofreram com a falta de energia. Luiza esteve presente nas periferias, acompanhando de perto como a dificuldade em ter acesso ao básico afetou as mais diversas famílias. ’’Psicologicamente, é muito desgastante. Estou planejando ir para as regiões do interior e fazer essa documentação por lá também.”, afirma a jornalista, que pontua a dificuldade em relatar o dia a dia da população mais afetada que sofre com a invisibilidade seletiva daqueles que deviam protegê-los e garantir minimamente seus direitos.

*Imagem destacada: Tarsis Costa

Matéria realizada pelos repórteres do Favela em Pauta: Ariel Freitas e Dandara Franco

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