O distanciamento social tem sido especialmente desafiador para os mais velhos: além da constante lembrança de serem do grupo de risco, ainda precisam lidar com o afastamento familiar.

A mudança de rotina durante a quarentena pegou todos de surpresa. Mas, o afastamento de familiares e amigos dos entes queridos mais idosos, durante esse período, tem preocupado especialistas. Apesar do isolamento social ser um dos principais recursos para evitar que o novo Coronavírus se propague, é necessário observar como o distanciamento também traz efeitos na saúde mental da população – e, principalmente, na população com mais idade, que vê esse período como um momento ameaçador. 

A fotógrafa e fotojornalista Isis Medeiros cresceu junto com os seus avós, em Canaã, interior de Minas Gerais. A fazenda de Terezinha, 92 anos, e Osvaldo, 93 anos, sempre foi sinônimo de boas risadas, visitas constantes e muito abraços. O afeto era rotina, assim como o bate-papo entre vizinhos e a troca de alimentos entre os produtores de alimentos da região. No entanto, hoje, na casa dos avós de Isis, encontra-se um contraste do que todos estavam tão acostumados: o silêncio.

Com a pandemia causada pelo novo coronavírus e o isolamento social, as festividades familiares foram adiadas para manter a segurança dos mais idosos da família, considerando que ambos são da área de risco. Mas a ausência desses encontros trouxeram reações nos avós de Isis. “Meu avô é uma pessoa muito articulada, ele gosta muito de conversar. Quando ele tava muito para baixo, eu ficava mais tempo com ele, conversando e fazendo com que ele falasse mais. A minha avó, mesmo sendo mais fechada, sentiu muito com o isolamento das minhas tias, que estavam acostumadas  passar o final de semana, as vezes até o mês, por aqui.”

Atualmente, a fotógrafa mora em Belo Horizonte, onde atua com diversos projetos documentais, e já sentia a necessidade de passar mais tempo com os avós. Com a pandemia, preferiu se ausentar da cidade e buscou alternativas para passar o isolamento social com os seus familiares, mas sempre pensando nos cuidados essenciais de precaução, incluindo o isolamento de quinze dias na própria fazenda assim que chegou de Belo Horizonte. No entanto, manter tanto carinho de forma distante, foi uma das coisas mais difíceis para Isis.

“Quando eu cheguei, eu fiz meu próprio isolamento na fazenda. Fiquei quinze dias isolada no quarto. Meu contato com eles era a distância, mandava beijo, mandava abraço e eles me devolviam a distância, sabe? Depois dos quinze dias, eu comecei a me aproximar mais, a demonstrar mais…todas as vezes que ia ao supermercado comprar coisas eu trazia e limpava tudo, e meu avô ficava observando, olhando e prestando atenção em como eu tava lidando com aquilo.”

As visitas familiares não fazem mais parte da rotina de Terezinha e Osvaldo — Foto: Ísis Medeiros/Reprodução Instagram

A Secretaria de Saúde de Canaã tem tomado precauções para evitar o contágio da doença na região e tem sido elogiada pela execução, já que a cidade de 4.713 habitantes só apresentou seu primeiro caso de covid-19 na última sexta-feira, 25 de setembro, e tem conseguido evitar a proliferação. Samuel Hermelindo, profissional da saúde no Programa da Saúde da Família (PSF), aponta que a Secretaria tem mobilizado carros de som para conscientizar os moradores da doença, isolado locais públicos e também tem mantido as barreiras sanitárias no município. “Para ingressar na cidade, a pessoa deve preencher um cadastro solicitando autorização através do site da prefeitura e, após a liberação, é necessário apresentar o exame recente do Covid-19 e se manter em quarentena durante os dias pré-definidos.”

Ainda que com um bom diálogo sobre a doença, Isis afirma que há a dificuldade dos seus avós entenderem a gravidade do novo coronavírus e o que vem acontecendo. A psicopedagoga Simone Schneider, de Leme, interior de São Paulo, relembra que as mudanças causadas pelo coronavírus afetou ainda mais as pessoas mais velhas. “Os idosos foram tolhidos da sua liberdade. De uma hora para outra e, sem entender muito bem o que era o Covid. Eles não puderam mais ir à igreja, ao mercado, caminhar na praça, ir à academia, ver os filhos, netos e bisnetos. Além disso, começaram a lidar com a ideia da possibilidade real de morrer e de ver pessoas queridas morrendo.” 

Pensando nessa dificuldade, Simone criou o projeto @sos.idososnaquarentena no Instagram, onde compartilha dicas para que os filhos e netos possam ajudar os seus familiares durante esse momento de dificuldade. “Por tantos meses, vemos nossos idosos entrando em um processo de maior ansiedade e muitos até depressão. São dias difíceis e eles estão sofrendo.  Hoje, vejo meus queridos dizendo que estão com saudades de um abraço, netos vendo os avós pela janela do carro ou pelo portão. Sem dúvida teremos efeitos deste distanciamento de ‘abraços.’”

Ainda sem um fim aparente para a pandemia, a fotojornalista Isis – que precisou retornar para a capital mineira – pensa na possibilidade de voltar para a casa de seus avós.  “Prefiro passar mais uma fase com eles e poder viver mais perto, poder sentir mais essas histórias e essas energias deles o contexto de vida e poder documentar melhor isso.” 

*Foto destacada por: Isis Medeiros

Bastidores do FP

Receba mensalmente nossos conteúdos e atividades com a comunidade.

You May Also Like

#MapaCoronaNasPeriferias: Rede DLIS resiste contra a desigualdade escancarada pela Covid-19

O Grande Bom Jardim, periferia de Fortaleza (CE), é um dos territórios…

Manaus: indígenas fazem campanha de arrecadação para combater impactos da Covid-19

Além disso, movimento pede vacinas para indígenas que vivem na zona urbana…

Duque de Caxias registra 14 mortes por coronavírus após ser a última a fechar comércio na Baixada

Duque de Caxias é agora a segunda cidade no estado em número…