Foi a partir de uma inquietação, que resultou numa publicação em uma rede social, que nasceu a Bienal da Quebrada. O comunicador Mateus Santana, de 28 anos, é o idealizador do projeto e afirma que já teve a oportunidade de palestrar em duas bienais, e percebeu que em eventos literários a presença de pessoas brancas nas mesas e nas palestras ainda é majoritária, e isso lhe causou um incômodo, não só como leitor, mas também como autor. 

O nome não foi escolhido à toa, desde o princípio, a ideia seria uma bienal do livro nas periferias e favelas do país, um evento nos moldes de uma bienal tradicional, dando protagonismo à escritores e escritoras desses territórios que geralmente não têm espaço nas outras bienais. “o mercado literário ainda é extremamente racista, classista,  então consequentemente os eventos literários refletem isso”  disse o idealizador do projeto.

No dia 25 de junho de 2019, o comunicador lançou as redes do projeto. “A partir daí eu comecei a correr atrás de formas de popularizar a bienal para que mais pessoas soubessem que agora existiria um outro evento, pensado em periferias, pensado em favelas, mas a gente sabe que produzir um evento não é tão barato, principalmente quando você tem como foco democratizar o acesso. E aí eu comecei a pensar em outras formas de botar a bienal em execução porque eu sabia que nem tão cedo ia conseguir fazer um evento gigantesco principalmente porquê eu sou do Distrito Federal e a gente que é fora do eixos, tem essa dificuldade de visibilidade, de patrocínios, enfim, ainda há essa visão de que o Brasil é São Paulo e Rio de Janeiro”.

Com ajuda de voluntários e voluntárias espalhados pelo país, que são escolhidos a partir de um processo seletivo, durante esse primeiro ano, o projeto arrecadou e fez doações de livros. Foram mais de 10 mil arrecadados, e 5 mil doados. Eliana Martins, 26, bibliotecária, conheceu a Bienal na rede social. Ela diz que achou o trabalho incrível e decidiu seguir o perfil do projeto.

“Foram dois pontos principais que me impulsionaram: a minha formação acadêmica e o conhecimento do poder de um livro. Eu tinha acabado de me formar em biblioteconomia e eu sentia que precisava disseminar o conhecimento que tive a oportunidade de aprender de alguma forma.”

Stephanie Kristine, 19, estudante de psicologia, também é voluntária do projeto, ela afirma que deu sorte em ver a iniciativa passando em sua linha do tempo. “Me interessei na hora que vi sobre o que era o projeto, sempre gostei muito de ler”.

Planos adiados pela pandemia da Covid-19

Para Mateus, o ano de 2019 foi um ano de sucesso, um exemplo disso foi a ação junto com o Coletivo Favela Vertical, coordenado por Rafael Oliveira, 23, produtor cultural, que na celebração do natal deste ano,  entregaram mil livros para crianças da comunidade Nova Esperança, no bairro Gardênia Azul, Rio de Janeiro. 

Ele confiava que 2020 também seguiria o mesmo caminho, mas a pandemia causada pelo novo coronavírus teve que adiar alguns planos e parcerias. “O foco da bienal ser conhecida já tinha sido alcançada, mas infelizmente veio a pandemia e tudo parou, e consequentemente o projeto deu uma estacionada bem grande também. A gente teria uma parceria com o museu do futebol onde a gente levaria crianças de uma periferia de São Paulo, e também levaria um time de futebol formado por jovens de uma ocupação pra conhecer o museu, e também pessoas do museu iriam pras comunidades, mas infelizmente com a pandemia teve que tudo parar”.

Além de doar cestas básicas com itens de higiene, o projeto também está doando livros. Foto: Mateus Santana

O projeto de arrecadação de livros também está pausado já que a grande maioria dos voluntários moram em favelas e periferias e utilizam o transporte público. O que tem sido feito durante esse período é a doação dos livros junto às cestas básicas. “Então nisso tudo a gente já doou uma média de 2 mil livros só nessa pandemia. A gente tá só doando e não ta entrando livro. Nosso estoque está acabando”.

Incertezas do futuro

Para o idealizador da Bienal, é difícil pensar em um futuro diante desta realidade que estamos vivendo. Mas ele garante que ainda tem como uma principal questão conseguir um evento literário nas favelas e periferias do nosso país. Ele também pensa na possibilidade de fazer outros eventos, como uma feira, palestras e workshops. 

“Uma das alterações que eu fiz no projeto foi tirar o ‘livro’ do nome e deixei só Bienal da Quebrada, porque o nosso foco é o livro, mas a gente também quer democratizar outras questões, democratizar acesso à cultura, democratizar o acesso ao conhecimento. Gostaria muito de continuar fazendo parcerias com instituições, e também queria muito abrir várias bibliotecas ou fortalecer bibliotecas que já estão abertas, mapear e trazer ao conhecimento público. Nós temos vários planos e eu espero que a gente consiga concretizar”, afirma. 

Mateus completa dizendo que sua principal vontade hoje é que a Bienal fosse um projeto que se sustenta e que também pudesse o sustentar, para que ele conseguisse se dedicar 100% ao projeto. ”É uma realidade de quem mexe com projeto social, ter que se dedicar ao projeto e ao mesmo tempo ter que se dedicar à uma forma de ganhar dinheiro pra sobreviver”.

Como colaborar com a Bienal da Quebrada

Você pode ajudar o projeto doando livros, com contribuições financeiras, através da benfeitoria ou pelo PicPay (@bienaldaquebrada), e seguindo e divulgando as redes sociais: twitter.com/bienalquebrada e instagram.com/bienaldaquebrada/

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