Colagem de jornais impressos lidos na análise
Colagem de jornais impressos lidos na análise

Ninguém compra mais jornal impresso porque só tem notícia ruim. Essa declaração assertiva faz sentido se levarmos em consideração sobre como os jornais impressos abordam as favelas do Rio de Janeiro em suas capas.

Nos meses de março, abril e maio de 2019, fiz uma análise da cobertura jornalística das redações cariocas sobre as favelas para verificar se falam positivamente ou negativamente sobre as favelas do Rio. Eu, como profissional da comunicação, sempre busco ter cuidado ao publicar informações. Quem vai ler? Quem vai ser atingido? O que pode acontecer com as pessoas abordadas na notícia? Isso é interesse público ou interesse do público? 

92 dias após ler – cuidadosamente – os jornais impressos O Dia, Extra, O Globo e Meia Hora constatei que quem vê capa não vê coração. As favelas e seus moradores são retratados de forma sensacionalista por esses jornais e produtos televisivos há décadas. 

Os profissionais da imprensa nas redações cultivaram uma passividade de não questionar o que dizem as notas oficiais, deixando de lado as testemunhas. O editor, baseado em sua subjetividade, determina o que entra ou não na reportagem. E assim, em pleno ano 2019, ainda se veem manchetes taxando moradores de favelas como suspeitos ou criminosos, mesmo que inocentes, e jovens da Zona Sul como universitários, mesmo que culpados.

Uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), feita em 2007, com repórteres e editores dos principais veículos de comunicação no país mostra que não mudou muita coisa até hoje. “A maioria dos profissionais ouvidos reconhece que os seus veículos têm grande responsabilidade na caracterização dos territórios populares como espaços exclusivos da violência. Ao mesmo tempo, admite que a população dessas comunidades raramente conta com a cobertura de assuntos não relacionados ao tráfico de drogas e à criminalidade”, aponta a pesquisa.

Na análise dos jornais impressos, vi que a cultura, o esporte, a economia e as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos moradores de favelas aparecem muito pouco, especialmente quando se considera o imenso número de reportagens e notas sobre operações policiais, tiroteios, execuções.

Em 92 dias, os jornais pesquisados publicaram quatro notícias positivas em capa, enquanto notícias negativas ocuparam 80 capas. Houve dias em que os jornais não abordaram assuntos relacionados às favelas em capas.

O jornal Extra, do grupo Globo, foi o que mais deu de capas negativas. Não à toa: o veículo de comunicação criou uma “editoria de guerra”, em 2017, para tratar da violência no Rio. A maioria das capas negativas foi referente à violência armada, varejistas de drogas e milicianos. O desabamento de dois prédios na favela da Muzema também ganhou espaço devido à proporção da tragédia em que 24 pessoas morreram. Na editoria de esportes, o jornal optou por dar destaque a diretoria do Clube de Regatas do Flamengo que vetou a expressão “Festa na favela” por ser algo associado à violência.

No mês de abril, o jornal Extra publicou 14 capas negativas, sendo que, 6 delas foram de forma sucessiva entre os dias 11 e 16 de abril. As capas destacaram a cobrança por meio de carnê feita por milicianos na Praça Seca, zona oeste do Rio; moradores da favela de Manguinhos, na zona norte, que foram atingidos por tiros de um sniper, além da tragédia na favela da Muzema, também na zona oeste da cidade.

A violência no Rio de Janeiro como mercadoria jornalística legitima o pensamento de “CPF cancelado”. Um fato negativo sobre favela sempre é vendável, pois os leitores normatizam a violência. 

Em um ensaio publicado no Nexo, o diretor da Ford Foundation, Átila Roque, sintetiza esta análise que fiz nos últimos meses. “A geografia segregada das cidades, a impunidade que prevalece em homicídios cometidos por policiais e a política de segurança focada na guerra e no enfrentamento armado do tráfico suspendem na prática o estado de direito e instalam o estado de exceção em certas áreas das cidades, sinalizando com uma autorização tácita para a execução dos “elementos suspeitos”. Uma seletividade perversa que torna alguns sujeitos matáveis, sem que sintamos qualquer horror ou responsabilidade em relação a isso”, explica Átila Roque.

O estudo desenvolvido nos últimos meses serve de exemplo para mostrar como a falta de diversidade nas redações cariocas influenciam na produção de conteúdo sobre favelas. Nos últimos anos, as discussões sobre diversidade nas redações ganhou mais espaço.

As capas negativas são frutos de jornalistas com uma visão homogênea que não têm vivência local e provocam uma pauperização nas reportagens por falta de um olhar interno e mais realista. É tempo de mudar.

Bastidores do FP

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