Se a Netflix tivesse uma curadoria mais abrangente, o filme “Chico” não ficaria de fora do catálogo nacional. Produzido e dirigido pelos Irmãos Carvalho, o filme concorreu no 50° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e recebeu três prêmios: troféu candango de melhor direção e melhor som, com Gustavo Andrade. A produção também levou o Prêmio Canal Brasil.

O envolvimento com cinema surgiu a partir das aulas de artes cênicas durante o ensino fundamental em uma escola pública. Criados no Morro do Salgueiro, no bairro da Tijuca, na zona norte Rio, os jovens iniciaram a carreira de cineasta produzindo vídeos caseiros de forma experimental com uma câmera VHS.

Sem acesso ao cinema por conta dos valores dos ingressos, os Irmãos Carvalho não tem lendas como o norte-americano Woody Allen, nem o franco-suíço Jean-Luc Godard como referências iniciais de trabalhos. Pelo contrário, a sessão de filmes “Sessão da Tarde”, da TV Globo, foi quem alimentou o imaginário da dupla pelo fácil acesso televisivo.

“Quando a gente chegou na universidade, as pessoas começaram a dizer para a gente o que era cinema. O cinema é Woody Allen, o cinema é Godard. O maluco lá da Rússia é cinema. A gente falou: “caramba, a gente não sabe nada do que é cinema”. E a galera sabe muito. A gente foi assimilando esse discurso até um momento na universidade que a gente pensou: “Cara, espera aí, isso tudo que vocês estão dizendo pra mim que é cinema, cinema é isso, não dialoga absolutamente em nada com a minha realidade. Não dialoga com o lugar de onde eu venho. Dialoga com Europa, se dialoga com Brasil é um Brasil que é Rio de Janeiro e do Rio de Janeiro é zona sul, e não pode ser referência pra mim.”

O que o filme mostra

“Chico” começou a ser produzido a partir de 2015, ano em que aconteceu a votação da redução da maioridade penal para 16 anos no Brasil. O filme também aborda questões como o encarceramento de mulheres negras e periféricas, a violência policial e a perseguição do Poder Judiciário contra o povo favelado.

Inicialmente financiado pelo Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, os Irmãos Carvalho criaram uma vaquinha virtual para completar o orçamento da produção do filme. O curta-metragem foi escrito, produzido e dirigido apenas por negros e periféricos.

O filme se passa no ano de 2029. Treze anos depois de um golpe de Estado no Brasil, crianças pobres, negras e faveladas são marcadas em seu nascimento com uma tornozeleira e têm suas vidas rastreadas por pressupor-se que elas irão, mais cedo ou mais tarde, entrar para o crime. Chico é mais uma dessas crianças. No aniversário dele, é aprovada a lei de ressocialização preventiva, que autoriza a prisão desses menores.

Cena do filme “Chico”aborda diversas questões sociais.
(Reprodução/Filme)

O clima de festa dá espaço a uma separação dolorosa entre Chico e sua mãe, Nazaré. Para os Irmãos Carvalho, retratar a redução da maioridade penal na ficção viabiliza a humanização das pessoas. “A ficção possibilita a gente fazer com que pessoas brancas ou pessoas contra o tema se identifiquem com os personagens e sintam as suas dores”.

E se perguntarmos aos irmãos cineastas – que desceram o Morro do Salgueiro para cursar cinema em uma das faculdades mais caras do país – sobre como podemos resumir o filme “Chico”, eles serão diretos:

“É possível pessoas faveladas, pessoas sem dinheiro, pessoas o sem conhecimento que algumas pessoas vão falar que é cinema, fazer cinema. Fazer um cinema sobre si, sobre favela com a favela para a favela. Mas conseguir extrapolar e atingir espaços que são brancos, que são ricos e da elite”.

Bastidores do FP

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