O “Que papo é esse?” dessa semana vai tocar em polêmica, mas também mostrar que existe pluralidade musical em Goiás.

Quando se fala em cultura é preciso ter em mente que se trata de um espaço amplo e em disputa. Isso porque abrange tudo aquilo que as pessoas entendem como importante para viver e para sua percepção de humanidade. Isso, na periferia, agrega sentido de força, mas significa também muitos desafios, tanto no acesso quanto na produção cultural. 

Visando entender isso, o Coletivo Magnífica Mundi, de comunicação compartilhada em Goiás, chega ao segundo episódio do podcast “Que Papo é esse?” na intenção de utilizar da comunicação como uma ferramenta que projeta a cultura periférica a partir das narrativas ainda não contadas. 

Nesse episódio vamos focar na importância e na força da música como construção cultural. Em 2022, Goiânia, capital de Goiás, foi considerada a capital nacional do sertanejo. E no ano de 2021, o estilo mais ouvido no país foi o sertanejo – talvez aqui, o falecimento de uma cantora desse estilo também tenha contribuído para alavancar os números. 

No entanto, a hegemonia desse estilo musical, e de vida, não surge deslocado de seu contexto, que vem há muitos anos reorganizando a forma de investir em música e em qual cultura isso reflete.

Inclusive, recentemente nos deparamos com uma polêmica a respeito dos recursos públicos destinados ao fomento cultural e o quanto os músicos sertanejos estavam sendo privilegiados, recebendo cachês milionários em shows. Isso sem contar que tal estratégia é uma das formas de políticos se promoverem.

Como estilo de vida, o sertanejo é, historicamente, vinculado ao campo, ao processo de interiorização do país, de chegada aos sertões. Contudo, com a expulsão das pessoas do campo e romantização da cidade, essa música – que mesmo as chamadas “sertanejo raiz”, já reforçavam uma narrativa machista e conservadora – se atualiza na imagem do “agroboy”, fazendeiro e agropecuarista.

Esse investimento todo no sertanejo realça a produção de invisibilidades e do racismo musical, que impõe a construção de uma ignorância sobre o fazer musical das pessoas negras, especialmente das mulheres negras, que expandem a cultura goiana com diferentes tons.

Estar em Goiânia fazendo esse gênero musical, o samba, quando vou em outros Estados, vejo que em Goiânia é uma resistência mesmo, uma luta. Pois, aqui não tem incentivo, não tem um apoio, há muito preconceito, há muita rigidez contra esse gênero [o samba] e ao povo preto também.

relata Lene Black, percussionista.

No segundo episódio do “Que papo é esse?”, ainda temos a contribuição de Ana Clara Gomes, realizadora cultural e diretora da série “Diaspóricas”. Obra que reúne a trajetória de algumas musicistas negras que vivem em terras goianas para conversar sobre o significado do que fazem, do porquê de fazerem e as barreiras desse fazer musical diverso diante do contexto machista, racista, conservador do qual o sertanejo impera como o único a poder ocupar o palco.

Sistah Dani, cantora e compositora de Reggae, também nos conta sobre a importância da música negra como forma de potencializar nossas histórias. Para ela, a música é uma forma de retomada de consciência, de resgate de nossos conhecimentos, de retomada ancestral do que somos e do que podemos ser.

Ainda há uma grande dificuldade de trazer um aprofundamento de nossa perspectiva. Principalmente, no que se refere a busca e demanda. Ou devo dizer, ao que a grande maioria consome ou idealiza. Claro que tudo isso se dá por um estado de colonização de corpo, mente e espírito que nosso povo vem sendo condicionado. Mas também é importante que a gente saiba que devemos ter essa auto responsabilidade, individualmente e coletivamente, para o interesse e disposição de buscar e enxergar essas novas, que são antigas, perspectivas”.

Sistah Dani em apresentação na Casa da Cultura.

Segundo dados do sistema de informações e indicadores culturais de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadoras negras e trabalhadores negros no setor cultural cresceu. Porém, mesmo com esse cenário, os recursos públicos para a cultura não chegam a essas pessoas negras.

Diante disso, após reivindicação dos movimentos negros, no ano de 2021 a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 765/19, que reserva 40% do Fundo Nacional de Cultura (FNC) para iniciativas vinculadas à cultura e às artes negras e indígenas. No entanto, o projeto ainda tramita na Câmara dos Deputados sem data para aprovação.

O que falta para Goiás expressar sua pluralidade musical não é talento, mas oportunidades efetivas dessas e desses artistas conseguirem se sustentar pela música. Romper com a hegemonia do sertanejo é romper com a desigualdade racial e de gênero. Isso significa entender que a periferia faz cultura e tem muito a oferecer em conteúdo artístico. E é aqui que os recursos públicos precisam se direcionar para fortalecer a arte que vem do povo e para o povo.

Os próximos episódios do “Que Papo é Esse?” serão lançados no perfil do Favela em Pauta, nos agregadores de podcast, nas próximas sextas-feiras, às 9h. O próximo será com o Afronte Coletivo, falando sobre a população LGBTQIAP+ na cultura periférica do Recife. Esperamos você por lá!

Imagem destacada: arte por Lethicia Amâncio | Texto: Ludmila Almeida | Edição: Renato Silva

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