Menino observa a movimentação de policiais e moradores na Rocinha. (Foto: Bruno Itan)

Quando os governos anunciam estratégias para “garantir a paz”, a expressão parece fazer sentido para quase todo mundo. Não importa se são moradores dos bairros mais nobres da cidade ou das favelas cariocas, todos sonham apenas com a possibilidade de viver em paz. O problema é que a definição de paz para quem mora no Leblon, por exemplo, muitas vezes não é a mesma de quem vive no Complexo do Alemão. Na verdade, com alguma frequência, a paz de uns acaba se transformando na ausência de paz para outros.

“Estamos aqui para garantir a paz. Colabore”, pregava o Twitter oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro na tarde do último sábado, dia 28. O anúncio foi publicado logo depois que PMs abriram fogo contra um mototaxista que teria desobedecido a ordem de parada, ultrapassando o bloqueio policial na Favela da Rocinha. Um caso muito parecido com o que aconteceu na segunda-feira, dia 23, quando a turista espanhola Maria Esperanza, de 67 anos, também foi morta na Rocinha porque o motorista do carro onde estava não obedeceu a ordem de parar. A diferença entre os dois casos está apenas na cobertura da mídia e na repercussão nacional e internacional.

A “paz” também foi um dos principais temas das Olimpíadas do Rio, em 2016. As favelas cariocas ganharam uma visibilidade histórica, muito relacionada com a propaganda do Governo do Estado e da Prefeitura que garantiam um legado de segurança para a cidade, mas que, na prática, custou a paz, a vida, e a segurança dos moradores das favelas.

Repetiram o velho erro de confundir segurança com paz. Com isso, criou-se um enorme paradoxo: para garantir a paz na cidade seria preciso pagar o preço da vida (e da paz) nas favelas. Será?

A paz do Alemão é um domingo de sol com várias crianças correndo na rua e a música tocando bem alta no bar de cada esquina. O culto da igreja que, de tão alto, faz pensar que o evento – quase diário – está acontecendo bem na sala da sua casa. A esse movimento soma-se o barulho de buzina das motocicletas que sobem e descem o morro o tempo inteiro, construindo uma sinfonia aleatória e produzindo uma estranha sensação… de paz.

Ao longo de toda a minha vida, construí a percepção desse “domingo de sol” acompanhado por homens armados. Não importa se eram agentes do Estado ou não, a favela sempre foi vista através da mira de um fuzil. E essa arma, em si, não representava guerra, nem paz. Ele apenas estava lá.

A guerra, para nós, é o barulho ensurdecedor do silêncio, do medo, do pavor, das ruas vazias. É o som metálico que sai do conflito entre policiais e traficantes nas tentativas frustradas do Estado de garantir um ideal de paz, baseado em estratégias de guerra. Não sei qual é a solução, mas sei que é preciso continuar. Até lá, compartilho uma única certeza: vocês não sabem nada sobre a paz.

Artigo publicado originalmente no Projeto #Colabora

Bastidores do FP

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