Dia da Terra: Cuidar do nosso lixo é cuidar do planeta

A grande produção de lixo no Brasil chama atenção para qual é a destinação final desses resíduos. Nisso, os verdadeiros ativistas ambientais, trabalhadoras e trabalhadores de recicláveis, carecem de atenção do poder público para garantir os direitos trabalhistas e maior segurança para com a saúde.

O aumento do consumo e da geração de resíduos sólidos urbanos diz respeito também ao cuidado com a saúde pública. O Plano nacional de resíduos sólidos (2020), revela que em relação aos resíduos encaminhados para a disposição final, 59,5% (aproximadamente 119 mil toneladas/dia) são destinados a aterros sanitários, que é a forma adequada. Já os lixões e aterros controlados, receberam mais de 80 mil toneladas de resíduos por dia, ou seja, mais de 40% dos RSU. Além disso, cerca de 54% das cidades do Brasil fazem uso de destinações inadequadas.

Os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) são, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), matéria orgânica (restos de comida), papel e papelão (caixas, embalagens, jornais e revistas), plástico (garrafas e embalagens), vidro (garrafas, copos, frascos), metais (latas), entre outros (roupas e eletrodomésticos, por exemplo).

E a composição desses resíduos, sua intensidade e consequências ambientais, podem variar de uma população para outra, dependendo da situação econômica, costumes e acesso ao tratamento do lixo. Porém, isso toca em uma problemática que diz respeito aos locais adequados para a destinação, ambientalmente correta, desses resíduos.

O não tratamento, propicia poluição, contaminação do solo e da água (como a produção de metano), além de atrair vetores causadores de doenças (como Diarréia, Amebíase, Cólera, Leptospirose, Disenteria bacteriana, Hepatite A e Esquistossomose). Nesse caso, as catadoras e catadores de materiais recicláveis promovem um outro destino para os materiais e atuam como verdadeiros ativistas ambientais ao se tornarem a última barreira contra a poluição dos recursos naturais no âmbito urbano.

Conforme levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),com dados do Censo 2010, 66,1% dos catadores de materiais recicláveis do Brasil se declararam negros. Ou seja, duas em cada três pessoas que exercem essa atividade são negros ou negras. Um percentual superior ao de negros na população brasileira que é 56%. De acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR) existem mais de 800 mil catadores e catadoras em atividade no país, sendo que 70% desse número são mulheres.

Em relação a esses dados de gênero os números se divergem da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) contínua de 2018, em que os catadores informais de material reciclável somavam quase 270 mil e 72% eram homens. A respeito disso, o MNCR ressalta a falta de contagem de catadores e catadoras que vivem em situação de rua, as pessoas sem teto ou moradores em áreas irregulares, já que o Censo contou as pessoas por domicílio. O que pode excluir, por exemplo, catadores que trabalham e moram em lixões a céu aberto, realidade presente em todo o território nacional, segundo aponta o MNCR. Além disso, muitas mulheres catadoras, por trabalharem também de domésticas e trabalhadoras do lar, não se identificaram com a atividade, por ser tida apenas um complemento da renda.

Pandemia e trabalhadores de recicláveis

O MNCR estima que os catadores são responsáveis pela coleta de 90% de tudo que é reciclado hoje no Brasil. Pela pesquisa realizada pelo Atlas do Plástico (2020), são cerca de 1.700 cooperativas e associações organizadas em todo o país. A formação de cooperativas proporciona geração de renda, trabalho digno e proteção, sem exposição à chuva e sol, e com ambiente propício para preparação de suas refeições.

Dados do Plano Estadual de Resíduos Sólidos de Goiás, elaborado no ano 2017 apontam que a região metropolitana de Goiânia apresenta a maior concentração, com estimativa de 46,85% dos resíduos gerados no Estado, quase 2 mil toneladas por dia, sendo as residências urbanas responsáveis pela maior geração desse lixo. O Plano nacional de resíduos sólidos (2020), contabiliza em Goiás, dentre os 246 municípios, apenas 19 declararam a existência de organizações de catadores, 36 organizações de catadores e 738 catadores organizados.

Separar o lixo é cuidar de toda a humanidade e isso começa dentro de nossas casas.
Foto: Rafael Marchante/Reuters.

A cooperativa de materiais recicláveis “Fênix Carrossel”, localizada na região metropolitana da capital, Goiânia, conta com 35 cooperados, sendo 24 mulheres e 11 homens, com média entre 25 – 55 anos de idade, tendo origem do norte e nordeste do país. Desse total de trabalhadores, 20 se declaram negros. Em conversa com a presidente da cooperativa, Lorena Souza, logo ao início da pandemia, mês de maio de 2020, os trabalhadores conseguiram apoio para a realização dos testes moleculares (RT- PCR), receberam doações de cestas básica, materiais de limpeza, Equipamento de proteção individual (EPIs) e máscaras.

No entanto, atualmente, os cooperados não têm recebido nenhuma assistência do poder público, como visitas de agentes de saúde e servidores do Centro de Referência de Assistência Social (CRAs) para acompanhar, monitorar a saúde dos trabalhadores e até mesmo motivação trabalhista por parte da prefeitura municipal. E nesse segundo ano de pandemia, com os próprios da cooperativa, buscaram realizar a testagem dos cooperados, em que se teve sete casos confirmados de contágio pelo vírus da Covid-19. Em relação ao apoio financeiro, como os cooperados em sua maioria são mulheres e mães já pertencentes ao programa bolsa família, automaticamente se enquadram nos requisitos para o recebimento do auxílio emergencial, que possibilitou uma ajuda na renda para essas famílias.

“Lamentável o olhar do poder público diante da nossa categoria, representada por catadoras e catadores que em sua maioria são mulheres, mães solo, viúvas, homens e mulheres que não se enquadram no padrão formal do mercado de trabalho, prestam um serviço essencial, de maneira ambiental e social, para toda a sociedade, não recebendo nenhuma motivação do poder público”, destaca, indignada, Lorena Souza, presidente da cooperativa de materiais recicláveis Fênix carrossel, de Goiânia.

Tratando de resíduos sólidos, dados do Sistema Nacional de Informação de Gestão de Resíduos Sólidos (SINIR), com informações referentes ao ano de 2017, apontam que 37,11% dos municípios do Estado de Goiás, possui Plano de Gestão de Resíduos, conforme a Lei 12.305/2010, onde apenas 17% realiza Coleta Seletiva. Pensando na conjuntura atual de pandemia mundial, o cuidado sanitário é ainda mais importante. E percebe-se o quanto esses trabalhadores, ao necessitar continuar nas ruas, precisam circular correndo riscos de saúde a fim de levar o sustento para as suas casas. Sendo que é um trabalho que traz benefícios a toda a saúde pública da população ao diminuir os impactos ambientais causados pela má gestão e disposição inadequada dos resíduos sólidos. 

De acordo com documento divulgado pelo Projeto Cuidar, da Women in Informal Employment (WIEGO) no Brasil, organização que focaliza na compreensão dos riscos à saúde que os recicladores e recicladoras, alertam sobre a permanência do vírus em superfícies inanimadas. A covid-19 pode persistir, mesmo quando descartados, por algum tempo em plásticos (5 dias), papel (4-5 dias), vidro, madeira (4 dias), aço (2 dias), luvas cirúrgicas (8 horas) e alumínio (2-8 horas).

Com isso, os trabalhadores que têm contato direto com esses resíduos estão cada vez mais expostos e correndo riscos de contrair o coronavírus. Olhando de modo geral, o descaso é grande, as condições básicas de saneamento no Estado são precárias, o cuidado devido não é oferecido aos trabalhadores que lidam diretamente com esses resíduos.

“A falta de sensibilidade da população e do poder público, para com a nossa categoria de trabalhadores, representado por catadoras e catadores, faz com que nos sentimos invisíveis, sem prioridades e nos tornando massa de manobra nos momentos políticos e quando necessitam de apoio, vêm bater em nossa porta”, conta Lorena Souza.

Por ano, o Brasil gera 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos

Conforme dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), de 2010 a 2019 houve um aumento de 18,6% do descarte de resíduos sólidos urbanos, contabilizando um total de 79,06 milhões de toneladas. São 1,52 milhão de toneladas por semana. Além disso, o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, logo atrás dos Estados Unidos, China e Índia. No total, foram geradas 11,3 milhões de toneladas de plástico em 2019, mas apenas 145 mil são recicladas em território nacional, ou seja, 1,3%. O país está abaixo da média global de reciclagem plástica, que é de 9%.

“Não é exagero dizer que os catadores são verdadeiros alquimistas ao ressignificar a função dos resíduos sólidos, que até então eram tratados como “lixo”. Para os catadores, “lixo” não existe. A categoria mostra que seu papel social faz parte da economia, inserida em um contexto de necessidade da transição do modelo produtivo”.

Atlas do Plástico (2020).

É de suma importância, a separação e destinação adequada desses resíduos, até porque em sua maioria podem ser reciclados ou reaproveitados, como o papel, o papelão, o vidro, os plásticos e os metais. Pelo processo de reciclagem, é possível que esses materiais voltem ao estado original, se transformando novamente em um produto útil, com todas as suas características – com exceção do papel. Com a separação dos resíduos e a reciclagem, há a redução da utilização de fontes naturais e também a redução da quantidade de resíduos destinados a aterros sanitários e incineração.

Em Goiás, a importância do Coletivo de reciclagem na formação da cooperativa na Cidade de Goiás

No noroeste Goiano, há a atuação do coletivo chamado “Recicla Goiás”, formado por educadores, estudantes e técnicos do Universidade Federal de Goiás (UFG – Regional Goiás), Instituto Federal de Goiás (Câmpus Cidade de Goiás), Universidade Estadual de Goiás (Campus Cora Coralina), pelos Frades Dominicanos, Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Goiás – SINDGOIÁS, Crisálida, Incubadora Social da UFG, ESSÁ Filmes, Silmoê Filmes, pessoas da sociedade civil e alguns parceiros. O objetivo é contribuir na efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) na cidade de Goiás, na efetivação da coleta seletiva e na sensibilização ambiental na comunidade.

O coletivo dialoga com o poder público, aponta alternativas e oferece apoio técnico para implantação de medidas que estabelecem a destinação adequada dos resíduos. E para isso, a participação efetiva dos trabalhadores dessa área – catadoras e catadores que coletam recicláveis nos lixões e nas ruas da cidade – é importante para pensar outras configurações trabalhistas e sanitárias. Nesse momento, esses trabalhadores apenas têm um contrato de prestação de serviço com a prefeitura e recebem também pelos materiais recicláveis que são vendidos, mas isso não oferece segurança financeira, já que as autoridades não colocam isso como prioridade para uma contratação com carteira assinada e com os direitos assegurados.

Mediante pressão ao poder público pelo coletivo, foi fundada, em assembleia no lixão (local em que esses trabalhadores estavam), em 17 de fevereiro de 2020, a primeira cooperativa de trabalho de catadoras e catadores de materiais recicláveis na cidade, o “Recicla Tudo”. Este é orientado pelos princípios da economia solidária popular, constituído por trabalhadores que são excluídos do mercado de trabalho formal. Tem como característica a igualdade, trabalha com a produção em coletividade, tem como foco a autogestão, sendo o empreendimento gerido pelos próprios trabalhadores, não tendo um patrão, comparado a um empreendimento convencional. De maneira democrática, esses trabalhadores têm direito a um voto, nas tomadas de decisões que são acordadas em reuniões coletivas pelo grupo, e ainda trabalham a solidariedade, cooperação e comércio justo.

Fundação da cooperativa “Recicla Tudo” no  lixão da cidade de Goiás.
Foto: João Dorneles.

Eles coletam os recicláveis da cidade por meio do programa de coleta seletiva, que foi implantado no município em 25 de junho de 2020, e teve a contribuição direta do coletivo “Recicla Goiás”. A cooperativa, incubada pelo programa de formação e atuação do coletivo, segue um cronograma de coleta que tem início nos bairros da cidade. Em seguida, esses materiais são dispostos no galpão e, após isso, passa pelo processo de triagem, um trabalho árduo, manual, em que os trabalhadores fazem a separação minuciosa dos materiais que realmente podem ser reciclados e vendidos. O trabalho exige muito esforço e atenção dos cooperados, já que as pessoas acabam misturando os rejeitos, objetos contaminados, cortantes e perfurantes nas sacolinhas, possibilitando riscos e contaminação aos trabalhadores – um dos motivos da importância e fortalecimento da sensibilização ambiental nas comunidades.

O cuidado com a Terra começa com o próprio lixo

Práticas sustentáveis e mudança de hábito também podem fazer a diferença para diminuir os impactos ambientais e trazer melhorias para a saúde pública. Resíduos sólidos orgânicos como restos e cascas de legumes, vegetais e frutas, cascas de ovo e borra de café, podem ser reaproveitados pelo método de compostagem. Esse processo, que ocorre naturalmente com a degradação da matéria orgânica, atua a partir dos próprios microrganismos presentes nos resíduos. Para que ocorra a aceleração desta degradação, algumas técnicas são aplicadas e dependem de condições favoráveis como umidade e temperatura.

Como resultado final é gerado o biofertilizante (composto orgânico líquido), utilizado na adubação do solo, um substrato para as plantas, hortas e jardins. Isso incentiva a adubação orgânica e evita a utilização de fertilizantes sintéticos que contaminam o solo e o plantio. Além disso, propicia a economia circular, em que a matéria retorna ao ciclo, sendo 100% aproveitada.

Em relação ao lixo, é interessante separar os resíduos secos recicláveis (papelão, plástico, vidros, papéis e metais), os resíduos orgânicos e os não-recicláveis (papel higiênico, fraldas, trapos, cabelo, restos de comida, entre outros). Essa separação é importante para que após a coleta seletiva, os catadores possam separar melhor os materiais recicláveis. Caso não tenha coleta seletiva em sua cidade, os resíduos que podem ser reciclados ou reaproveitados, podem ser entregues a uma catadora ou catador, ou em um centro de reciclagem.

Já o óleo de cozinha pode ser reaproveitado para a fabricação de sabão artesanal (caseiro).

Receita de sabão caseiro

  • Ingredientes:
    1 kg de soda cáustica
    1 litro de álcool
    5 litros de óleo usado e coado
    2 litros de água
    1 detergente – o mais em conta
    400 ml de desinfetante, preferencialmente fragrância de limão
  • Modo de preparo:
    Dissolva a soda cáustica nos 2 litros de água até ficar uma mistura homogênea.
    Em seguida, coloque os 5 litros de óleo usado – já coado -, o detergente e os 400ml de desinfetante. Misture bem, por último acrescente o álcool e misture novamente até engrossar.
    Após esse procedimento, deixe descansar por dois dias para endurecer e ficar em ponto de corte.

*Rendimento: em média 30-35 pedaços de sabão.

Receita por Tatiane Oliveira – fabricante de sabão artesanal que também mobiliza sua vizinhança a fazer a separação do óleo usado para a fabricação e consumo do sabão caseiro.

Gildevânia Santos é mulher negra, integrante do Coletivo Recicla Goiás e do Coletivo Magnífica Mundi. Estudante do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Federal de Goiás (UFG). Atualmente realiza pesquisa teórica para a construção de subsídios científicos na elaboração e implementação do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos na Cidade de Goiás, GO – um estudo que analisa os Planos Municipais de Coleta Seletiva em cidades de até 30 mil habitantes, seus planos de gestão de resíduos sólidos e programas de coleta seletiva.

*Edição: Renato Silva e Ludmila Almeida.

Imagem em destaque: Divulgação.

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