Foto: Renato Silva/Favela em Pauta.
Protesto por justiça em memória às primas Emily e Rebeca.

Fala a verdade, dia 12 de outubro combina muito com algumas coisas bem simples, que mexem com o imaginário da gente. Vai dos doces, brincadeiras, sorrisos até o som tradicional da molecada correndo e gritando. Todas memórias únicas e boas que a maioria de nós guarda com carinho, mas que para muitas mães e famílias de crianças faveladas, periféricas – como as da Baixada Fluminense – e, em sua maioria, negras, são memórias de luto e luta.

Isso porque, de acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, a Baixada Fluminense concentrou 25% do total de crianças baleadas na Região Metropolitana do Rio em pouco mais de cinco anos, se tornando, assim, a segunda região do Grande Rio com mais vítimas menores de 12 anos.

E quando olhamos para Duque de Caxias, a situação se agrava. A cidade é a que soma mais crianças atingidas por disparo de arma de fogo no mesmo período. São 11 em um único município, de um total de 85 crianças baleadas em toda a Região Metropolitana nos últimos 5 anos.

Para o líder político e fundador de organizações como o Movimenta Caxias e o pré-vestibular +Nós, Wesley Teixeira, estes dados representam muito mais do que números, representam histórias do presente e do futuro. “Por trás desses números, existem famílias destroçadas por uma lógica armamentista, que tomou o Rio de Janeiro e na qual se baseia a política de segurança. Não são números, são crianças, são as Primas Emily, de 4 anos, e Rebeca, de 7 anos, estão nos tirando o futuro, futuros atletas, artistas, advogadas. Um Estado que durante uma pandemia  só oferece tiro, mas não garante acesso a alimentação ou educação”, acrescenta.

Para conhecer o problema que ameaça nossas crianças

No ano de 2021, 9 crianças já foram baleadas, 3 delas foram vitimadas na Baixada Fluminense. E para a economista e coordenadora executiva da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, Giselle Florentino, os números refletem a continuidade do histórico genocídio da juventude negra, favelada e periférica.

“A Baixada Fluminense foi fundada a partir da resistência de um complexo de Quilombos, que eram liderados por mulheres e que conseguiu, durante cem anos, resistir aos intentos da guarda real (atual PM) durante a corte portuguesa. Então quando a gente olha as estatísticas e percebe que a Baixada é esse território sistematicamente violado pelo Estado, a gente percebe de fato que é uma escolha política muito nítida em não oferecer nenhum tipo de saída ou acesso a políticas sociais mais básicas pra vários territórios da Baixada Fluminense. Muito pelo contrário, a política que a gente assiste hoje é a ponta do fuzil da polícia. A gente precisa entender que isso não é um fator aleatório”

Giselle Florentino, coordenadora executiva da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial.

A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, como lembra Giselle, produz diversos relatórios que observam e refletem a violência de polícias e milícias no local, além de memoriais para preservar a memória de vítimas, a exemplo das primas Emily Victória Silva dos Santos, de 4 anos e Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos, 7 anos, assassinadas em ação policial no bairro Pantanal, em Duque de Caxias.

E ainda nesse sentido, Florentino lembra que muitas destas vítimas, crianças e adolescentes, são atingidas dentro de casa ou mesmo na porta de suas residências. “O direito à infância não existe pras crianças negras e moradoras de territórios marcados cotidianamente por essa violência do Estado. A gente percebe cada vez mais que não será esse próprio Estado que dará respostas ao assassinato sistemático do povo negro, que é entendido como alvo de foto dessa política dita de segurança pública”, comenta.

Publicação da coluna do Perifa Connection no jornal Meia-Hora com denúncia sobre os três meninos, Lucas Matheus, Alexandre da Silva e Fernando Henrique, desaparecidos em Belford Roxo, em dezembro de 2020.

Já na caminhada em direção à solução desse mal, a coordenadora lembra que para a IDMJR um importante passo é o desinvestimento em material de guerra, nas polícias, mas em outras frentes vitais. “A gente acredita que o principal passo pra garantir a sobrevivência de pessoas pretas no Brasil, no Rio de Janeiro, na Baixada, um dos primeiros passos é a retirada de orçamento público para a compra de armamento, caveirão, drone, helicóptero com base de tiro e investir diretamente em políticas sociais, com acesso à educação, saúde, saneamento, habitação, acesso à saudável, alimentação decente”, conclui Giselle.

Edição: Eduarda Nunes / Imagem em destaque: Renato Silva

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