Moradora chega do trabalho carregada de bolsas e enfrenta os becos da Rocinha.(Foto: Michel Silva/Favela em Pauta)

Este texto começa a partir de uma ligação feita na manhã do dia 18. Eu estou em São Paulo para um evento cujo tema principal é o trabalho desenvolvido por comunicadores de favela que se articulam através das redes sociais para fazer seus trabalhos. Eu ligava para a casa, querendo notícias de minha família.

D’outro lado da linha, estava minha mãe. Me contava que a madrugada anterior tinha sido rasgada por um intenso tiroteio e que até aquele momento, não havia conseguido sair de casa e ir para o trabalho, num bairro vizinho a Rocinha. Era por volta de 11h30 da manhã.

Eu fiquei louco e não tinha como não ficar. Mais uma vez, moradores estavam reféns. Dos tiros, do poder, da inércia, do choque, do pânico e da tristeza. Você me dirá que a situação de tensão dura exatos quatro meses, e eu lhe indagarei: e daí? Cada ato, ainda que esperado, apavora.

Tenho repetido com muito pesar que circulo entre as cidades dentro de uma única, e que existe diferentes sistemas a ser seguidos por diferentes pessoas e jeitos. Seja pela Estrada da Gávea dentro de um 538 e 539 ou pela Auto Estrada Lagoa-Barra em diversos ônibus que tem como seu itinerário os bairros de São Conrado, Barra da Tijuca e por aí vai. Aos moradores destes locais, está assegurado o livre direito de ir e vir. A mim, enquanto jovem, negro e periférico, não. E pioraria se eu fosse mulher. Infelizmente.

E não diria somente transitar entre as cidades, mas em si pela própria Rocinha, afinal de contas, você já parou para pensar em quem reside e trabalha na própria favela? O comércio paralisa, o tráfego de pessoas diminui. O medo vai preenchendo o vazio daquilo que chamaríamos como… segurança?

Mas que tipo de segurança? A que coloca ordem com operações em dias festivos, como Natal e Ano Novo ou a que faz a guarda das pessoas frente à orla? A que está presente ou a que apenas está ocupando o lugar de diversas políticas públicas que deveriam ser (e devem) reger o ambiente de uma favela?

Essa coisa mínima de ir de uma ponta a outra não pode ser banal, nem deve. Ela impede não só a minha saída, mas a minha chegada. Impede meus sobrinhos, o seus filhos e os dos vizinhos de simplesmente brincarem ou irem a praia num dia de sol em pleno verão carioca. Uma simples ida à praia, coisa mais típica do morador do Rio. Uma ‘’válvula de escape’’ para quem não consegue mais viver dentro de um barril de pólvora e que pode explodir a qualquer momento. Estamos no escuro, sem luz. Literal.

Eu poderia terminar parafraseando e até mudando a célebre letra dos Titãs que pergunta “você tem fome do quê?“, só que faria da minha forma, trocando a palavra “fome” por “medo”. Só que não estou nos anos 80 e minha realidade me leva a terminar saudando uma outra letra, conhecida por todos que residem nas favelas espalhadas pelo Brasil:

‘’Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é./ E poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.
Fé em Deus’’ ♫♪

Edu Carvalho é estudante de graduação em Comunicação Social – Jornalismo na PUC-Rio e repórter do site FaveladaRocinha.com

Bastidores do FP

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