
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, assinou em 2017, um decreto que dobra o valor repassado às creches conveniadas. As 160 instituições passarão a receber R$ 600,00 per capita para atender 16 mil crianças da rede. O Favela em Pauta realizou um levantamento de 160 endereços das creches conveniadas com a Prefeitura do Rio por meio de ferramentas digitais, tendo como base, as características geográficas e sociais de favelas.
Dos 160 endereços de creches conveniadas, apenas 56 estão localizadas dentro de alguma favela no município do Rio. O restante – 104 creches – situam-se em bairros ou até mesmo na entrada de uma favela. Neste levantamento, o foco foi identificar creches conveniadas dentro de favelas. Há décadas esses territórios são desassistidos de direitos sociais. O Rio de Janeiro é a cidade com a maior população vivendo em favelas, de acordo com dados do Censo 2010 do IBGE. São 1.393.314 pessoas nas 763 favelas do Rio, ou seja, 22,03% dos 6.323.037 moradores do Rio.
Em 2017, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) contabilizou 192 creches comunitárias, filantrópicas e confessionais do Rio de Janeiro cadastradas para receber repasses do FUNDEB através do município. Porém, apenas 160 creches estão cadastradas na Prefeitura do Rio para receber os repasses, como consta nesta planilha. Ainda em 2017, as creches conveniadas em tempo parcial receberam R$ 2.541,01 por aluno para o período de um ano. As creches integrais receberam R$ 3.493,90 por aluno no mesmo período.
Em 2018, o valor de repasse para creches conveniadas em tempo parcial é R$ 2.516,13 por aluno para o período de um ano. As creches integrais irão receber R$ 3.459,67 por aluno no mesmo período, segundo a portaria assinada pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho. O cálculo dos repasses é realizado entre o número de matrículas consideradas na distribuição dos recursos do Fundeb, para a instituição conveniada, e o valor aluno/ano correspondente. O município também pode repassar recursos do seu próprio orçamento para esse fim.
A criação dessas creches tem uma relação de ação coletiva e de resistência. Geralmente, as fundadoras eram mulheres que cuidavam em suas próprias casas dos filhos das vizinhas que precisavam trabalhar fora. Com a grande procura, foram sentindo necessidade de ampliar esses espaços e edificar. Atualmente, a lógica das creches comunitárias é outra: a educação infantil é entendida como um direito da criança, fundamental para o seu desenvolvimento, e não somente um lugar em que ela é deixada enquanto os pais trabalham.
Mantidas por organizações não governamentais, fundações e associações, as creches comunitárias, filantrópicas ou confessionais são comandadas por uma diretoria e equipe administrativa formada basicamente por voluntários. Os educadores e parte dos demais funcionários são contratados. O convênio com a prefeitura não supre as demandas locais, por isso, quase sem ajuda do poder público, a manutenção das instituições depende praticamente de doações e do que arrecadam com campanhas.
Onde estão as creches conveniadas no Rio
De acordo com dados do Sistema Municipal de Informações Urbanas (SIURB) disponíveis no Data.Rio, é possível visualizar os locais onde se encontram as creches conveniadas. Os dados do mapa foram disponibilizados no final de janeiro de 2018, entretanto, podem estar desatualizados.
Na favela da Rocinha, na zona sul do Rio, tem 11 creches conveniadas com a Prefeitura do Rio para uma população de 150 mil habitantes, de acordo com a Associação de Moradores e Amigos do Bairro Barcelos (AMABB). Esse cenário muda drasticamente nas zonas norte e oeste da cidade. No conjunto de favelas da Maré, na zona norte, apenas 6 creches são conveniadas para 140 mil habitantes que moram nas 17 favelas que formam o conjunto. Enquanto na Cidade de Deus, na zona oeste, esse número cai para 3 creches.
13 dias após a publicação do decreto municipal, em outubro de 2017, a Prefeitura do Rio transmitiu ao vivo em sua página no facebook, um programa chamado Papo Carioca cujo assunto era o aumento de repasse para creches conveniadas. Participaram da transmissão o secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, a presidente da associação das creches comunitárias, Eliana Albernaz, e o responsável por uma das creches conveniadas beneficiadas, padre Enrico.
Sob o argumento da crise nos cofres do município, o prefeito do Rio decidiu diminuir o repasse para o carnaval carioca e aplicar nas creches conveniadas. Comparando o mega evento com as creches conveniadas, o secretário de Educação, Cesar Benjamin, disse que as crianças são invisíveis e a decisão do prefeito Crivella foi uma forma de contingenciar os recursos do município. “O prefeito Marcelo Crivella tomou uma decisão, uma decisão contrária. Ele pegou os recursos públicos e os direcionou para a invisibilidade. Essas crianças não votam, elas estão lá nas suas comunidades e é uma decisão antes de tudo ética. Cabe a população do Rio avaliar soberanamente qual terá sido a decisão correta: mais dinheiro para o Carnaval ou mais dinheiro para sustentar as crianças que são o futuro do nosso país”, afirmou Benjamin.
Procurada desde 2017, a Secretaria Municipal de Educação do Rio nunca respondeu nossos questionamentos sobre as creches conveniadas. Os e-mails foram enviados em datas diferentes: outubro de 2017, dezembro de 2017 e março de 2018.
A origem e um dos caminhos dos repasses financeiros
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é um fundo especial constituído por 27 estados brasileiros e o Distrito Federal. Os recursos são obtidos através do recolhimento de impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios. Dentre os órgãos gestores do fundo estão o INEP, FNDE, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
De acordo com o Ministério da Educação, os recursos do FUNDEB são transferidos para os Estados, DF e Municípios e só então o Poder Executivo competente repassará os recursos às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas conveniadas com o Poder Público. Não há, portanto, repasse direto de recursos para essas instituições.
Os recursos do Fundeb repassados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios às instituições conveniadas servem para ser utilizados em ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino. As instituições devem cumprir com os termos do convênio, respondendo pela correta e regular gestão dos valores transferidos. Além disso, os dirigentes das instituições conveniadas são responsáveis pela prestação de contas, que deve estar em conformidade com as leis e normas das autoridades administrativas.
A Prefeitura do Rio é responsável pelo valor da verba a ser repassado para as creches conveniadas. Os valores podem ser iguais, maiores ou menores do que o valor aluno/ano do Fundeb. Entre 2015 e 2017, foram repassados R$ 165.029.688,12 para as creches conveniadas. De acordo com a prefeitura, em 2015, o valor repassado foi de R$ 44.493.146,76. Enquanto em 2016, o valor foi de R$ 53.316.724,36 e no ano passado o valor foi ajustado para R$ 67.219.817,00.
Segundo o gabinete do prefeito, há um estudo em andamento para avaliar a viabilidade da ampliação do número de vagas para atendimento em creches conveniadas. O Favela em Pauta não obteve acesso ao documento.
O que dizem os especialistas
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vem realizando mutirões para atender o aumento no número de mães e pais que buscam o órgão porque não conseguem matricular seus filhos nas creches e pré-escolas do Rio. Na Defensoria, o procedimento adotado é entrar com um pedido à Justiça, em nome dos responsáveis, para o cumprimento da sentença judicial que, desde 2009, determina a matrícula de todas as crianças na fila de espera por uma vaga.
Além desta decisão, há também uma liminar obtida pela DPRJ em 2016 que determina não só a matrícula como também a construção de novas creches e pré-escolas para suprir o déficit de vagas. Um levantamento do próprio município aponta que o déficit de vagas nas creches e pré-escolas atinge cerca de 34 mil crianças.

Formada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Bárbara Barcelos, dirigiu recentemente uma creche na Rocinha. As creches conveniadas nas favelas são importantes porque possibilitam as famílias que não conseguem vagas nas creches públicas e não possuem recurso financeiro para pagar uma rede de ensino privada, segundo Bárbara. Nas décadas passadas, as creches eram vistas como depósito de crianças. Hoje em dia são vistas como essenciais para o desenvolvimento das crianças.
Segundo a pedagoga, a ampliação do número de creches conveniadas não deve resolver o déficit de vaga, entretanto, pode diminuir a lista de espera. “Grande parte das creches conveniadas não possuem estrutura física para receber uma quantidade significativa de alunos. Principalmente dentro das favelas onde os espaços são reduzidos. O que solucionará o problema seria uma política pública eficiente. A criação de novos espaços de desenvolvimento para que seja necessário a realização de atividades de psicomotricidade ou fora das salas de aulas”, explica Bárbara Barcelos mencionando o fato de que as crianças precisam de 30 minutos ao dia para extravasar a energia em uma atividade ao ar livre, como o parquinho. Poucos escolas na Rocinha possuem esse espaço lúdico.
Para o vice-presidente da Associação das Creches e Pré Escolas Conveniadas Confessionais Comunitárias e Filantrópicas do Município do Rio de janeiro (ACREPERJ), Guilherme Maltaroli, se na rede municipal faltam vagas, as creches conveniadas lutam para suprir a demanda do município. “O que sabemos é que em 2018 faltam 45 mil vagas em creches no município do Rio de Janeiro”, conta Maltaroli.
Uma criança matriculada numa creche de médio padrão custa de R$ 800,00 a R$ 1.000,00 por mês. Até agosto de 2016, o município repassava R$ 263,00 e não acrescentava nenhum centavo. Ainda na gestão do ex-prefeito Eduardo Paes, a categoria conseguiu aumentar o repasse para R$ 300,00. Hoje o repasse é de R$ 600,00, mas longe ainda dos R$ 800,00 que seria o ideal. “O Fundeb só repassa R$ 263,00. O resto – para chegar aos atuais R$ 600,00 – é o município pela primeira vez que completa. O resto são os patrocinadores, as festas, enfim um esforço danado para conseguir manter a creche funcionando. Algumas não tem outras fontes de recursos e o quadro se agrava”, explica Maltaroli. E completa: “São heróis!”.
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