Educação pública precisa deixar de ser tratada como cronicamente ineficiente

O futuro sempre foi uma questão muito presente na minha vida —a vontade de conhecer o amanhã e de alcançar os meus anseios me rendeu uma certa ansiedade—, e de uns tempos para cá passei a pensar cada vez mais no futuro que está reservado para pessoas que vêm da periferia, assim como eu, morador da Cidade Nova São Miguel, no extremo leste da capital paulista.

Percebi que a minha angústia travestida de fascínio pelo futuro só cresceu nos últimos 12 meses, quando a minha sobrinha nasceu. Eu, que sobrevivi a 20 anos de prazeres e açoites que só a vida na periferia proporciona, sei bem o que quero para o meu futuro —ao menos acho que sei—, mas qual o futuro que quero para a minha sobrinha? Essa pergunta me inquieta.

Minha rua é sempre lotada. Durante a semana, chego tarde da noite da faculdade, e volta e meia as crianças ainda estão brincando. Sempre com os adultos atentos a vigiar do quintal. O que o futuro reserva para essa garotada, que colore o chão da minha rua com giz para pular amarelinha —e o meu coração, com esperança, por saber que ainda existem crianças que preferem o convívio no asfalto aos jogos de celular.

Por isso que eu não paro de pensar: qual é a situação das escolas que vão formar o futuro do meu bairro? Qual o estado da escola que vai receber a minha sobrinha? Será precária, como a em que eu estudei ? Será que vai se preocupar muito mais se a escola está sem partido do que se os alunos estão sem merenda, ou sem papel higiênico?

Educação no Brasil

Pensando nisso mapeei os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), um indicador que avalia a qualidade da educação com base em dois conceitos: fluxo escolar e média de desempenho nas avaliações. O Ideb é atualizado a cada dois anos. O índice vai de zero a seis para medir a qualidade do ensino, sendo zero estado de alerta e seis, aproveitamento pleno da educação.

O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é o órgão responsável pelo Ideb, que é gerado a partir dos dados obtidos no Censo Escolar, no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e na Prova Brasil.

Para responder as perguntas decidi começar pelo meu bairro. Sem previsão de melhora da situação econômica do país a curto prazo, considerei que a minha sobrinha e as crianças que brincam na minha rua irão estudar em escolas públicas.

A lei nº 1170, de junho de 2008, acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional uma norma que assegura vaga em escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima da residência da criança. De acordo com a lei, as crianças da Cidade Nova São Miguel irão estudar na EMEF Dom Paulo Rolim Loureiro.

De acordo com os dados disponíveis no site do Inep, de 2005 a 2017, nos anos iniciais do ensino fundamental a escola do meu bairro atingiu quatro vezes a meta estabelecida, ficou abaixo da meta em 2011 e no ano de 2013 solicitou por meio de uma portaria que os dados não fossem divulgados.

Porém, quando são considerados os anos finais do ensino fundamental, a escola ficou abaixo da meta em 4 das 7 edições em que o indicador foi atualizado. É preciso considerar, ainda, que, em ambos os casos, no ano de 2005, primeira edição do Ideb, ainda não havia meta fixada para calcular o desempenho das escolas.

Cidade Nova São Miguel

Apesar de ter ficado abaixo da meta em boa parte das vezes em que o índice foi atualizado, a escola do meu bairro conseguiu superar o desempenho do município de São Paulo, que ficou abaixo do planejado em todos os anos desde que o Ideb passou a definir meta, em 2007. Foram seis edições com resultados abaixo do esperado.

Se o município mais rico do país tem níveis de aproveitamento escolar abaixo do almejado, não há dúvidas de que as periferias dessa cidade sejam alvos flagrantes das ineficiências do estado para garantir ensino de qualidade. Dado esse quadro, como podemos transferir às crianças a responsabilidade de serem o futuro da nação se não proporcionamos condições básicas para construção desse futuro?

É preciso pensar na qualidade do ensino ofertado nas salas de aula da periferia. O Brasil segue desde a ditadura militar uma lógica de sucateamento das escolas públicas, que acaba estimulando a busca pelo ensino privado.

Fomos ensinados que a escola pública não funciona e boa parte das pessoas que atingem o mínimo de mobilidade social buscam por escolas particulares para formar seus filhos. Não julgo —foi assim lá em casa.

Mas o que fazer com a galera da periferia que não tem essa opção? A educação pública precisa deixar de ser tratada como cronicamente ineficiente, sobretudo quando falamos de educação na periferia, e passar a ser encarada como o que de fato é: ferramenta de transformação do presente e de construção futuro.

Weslley Esdras Galzo é jornalista em formação, antirracista e correspondente da Agência Mural em São Miguel Paulista.

Texto: Wesley Esdras Galzo / Foto: Arquivo/Folha

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