Pesquisas apontam que o câncer de colo de útero é a neoplasia maligna mais comum entre as mulheres indígenas

A atenção à saúde das pessoas indígenas é tão importante como negligenciada pelos gestores públicos. Apesar dessas comunidades terem métodos próprios de cuidar da saúde do corpo e da mente, ainda cabe ao estado fazer bastante coisa por esta população. Estamos no mês de atenção à saúde das mulheres e precisamos nos conscientizar sobre os entraves enfrentados pelas mulheres indígenas no cuidado do seus corpos em relação aos tipos de cânceres a que estão sujeitas.

Segundo dados preliminares no âmbito da Atenção Primária, em relação às mulheres indígenas, o Ministério da Saúde afirma que a taxa de incidência de câncer de mama é de 6,83 e para câncer de colo de útero é de 6,04 casos por 100 mil habitantes. No Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), foram registrados, em 2019, 26 casos de neoplasia maligna de mama e 23 casos de neoplasia maligna de útero. Também foram realizados, em 2019, 30.652 exames preventivos para câncer de colo de útero (PCCU) em mulheres indígenas de 25 a 64 anos assistidas pelas equipes presentes nos 34 DSEIs.

Apesar dos dados do Ministério da Saúde, que retratam o câncer de mama como o tipo de câncer que mais acomete as mulheres indígenas e não-indígenas, outras pesquisam apontam maior incidência do câncer do colo de útero ou câncer cervical como o mais recorrente entre as mulheres indígenas. 

De acordo o estudo divulgado pela Revista Brasileira de Oncologia Clínica, dentre a população indigena pesquisada o sexo feminino é o que mais recebeu diagnostico de cancer sendo 68,09% dos casos. O câncer de colo uterino ou cervical foi o tipo de câncer mais encontrado entre as indígenas adultas, sendo 76,69% dos casos. A maioria tinha mais de 50 anos. O objetivo da pesquisa foi fornecer dados clínicos e epidemiológicos sobre o perfil do câncer nos indígenas da Amazônia brasileira, local, de acordo com o IBGE, onde está a maior quantidade de localidades de povos indígenas do país.

Essa divergência de dados é fortalecida pela subnotificação, a falta de publicações e pesquisas sobre câncer de mama e colo de útero nas comunidades indígenas. Além disso, a baixa escolaridade, o tabagismo e o intervalo entre o diagnóstico e o tratamento oncológico são aspectos que atuam contra a contenção do câncer. A pesquisa relata que esse intervalo está acima de 60 dias em 60% dos casos e com tempo médio de 113 dias (mais de 03 meses), muito além do do que é previsto pelo Ministério da Saúde no Brasil, conforme a Revista Brasileira de Oncologia Clínica.

Tais resultados apontam o estágio avançado do câncer no momento do diagnóstico, junto a isso a falta de informação sobre a doença, a maior incidência de comorbidades, a disparidade no acesso a serviços específicos de saúde e a localização em áreas remotas também são aspectos relevantes a se observar no processo de combate ao câncer, de acordo a pesquisa publicada pela revista do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein

No entanto, devido a diversidade cultural indigena é importante levar em consideração as variações regionais, alguns estados podem apresentar maior incidência de um tipo ou de outro, em relação aos números de casos de câncer de mama e colo de útero.

O trabalho da Secretaria Especial de Saúde Indígena

O Ministério da Saúde informou que o controle dos cânceres do colo do útero e da mama é realizado pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) com equipes que vão até o território indígena realizar a promoção, prevenção, rastreamento/detecção precoce, diagnóstico, tratamento e palestras. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada pela Lei 12.314/2010 por reivindicação do movimento indígena, é a responsável por articular os atendimentos de saúde nas comunidades indígenas e o treinamento dos profissionais para atuar em cada comunidade.

Quando se remete ao termo ‘Saúde indigena’ precisamos compreender de que se trata de 256 povos indígenas, falantes de mais de 150 línguas diferentes, e a atuação das equipes de saúde precisam estar em conexão com a organização cultural de cada povo. 

Indiana Petsirei’Ö Dumhiwe (Foto: Arquivo pessoal)

Uma enfermeira indígena que preferiu não se identificar aponta como uma das dificuldades do local, em relação a saúde, a falta de atendimento de média e alta complexidade, a distância pois são quase duas horas de carro para se chegar ao hospital mais próximo, a demora no diagnóstico e a falta de médico que fique na comunidade. Para ela, também é muito importante praticar a medicina tradicional e manter um diálogo com com a medicina ocidental, sempre tendo em pauta o respeito a cultura indígena. 

A enfermeira ainda ressalta que é preciso maior compreensão cultural por parte da equipe de saúde para que se realize o acolhimento especializado e maior agilidade nos diagnósticos. “Está precisando de um trabalho dentro das bases, dentro de onde elas estão e no contexto em que elas estão inseridas. Isso vai contemplar um trabalho de educação, saúde, alimentação e segurança, enfim, em todos os aspectos, todos os aspectos que contemplem e que falem com a mulher indígena”, conclui.

A campanha do Outubro Rosa também foi realizada na comunidade indígena Tapuia, em Carretão-Goiás, e teve como tema “Quem ama se toca”. Na oportunidade as mulheres foram orientadas a fazer o autoexame e caso necessário seriam encaminhadas para fazer exames mais específicos. A equipe médica é formada pela médica, uma enfermeira chefe, duas técnicas de enfermagem, uma agente de saúde indígena, um cirurgião dentista e dois responsáveis pelo tratamento da água na comunidade e dois motoristas. 

No entanto, de acordo com a técnica de enfermagem e indigena da comunidade, Lucilene Brandão, uma das dificuldades que se encontra é com a falta de procura pela prevenção, em especial das mulheres mais velhas, que são bem reservadas. A técnica também ressalta que as mulheres têm autonomia para aceitar ou não o exame de colo de útero, muitas devido a “vergonha”, decidem ir até a cidade fazer. 

“A gente teve uma indígena que não estava aldeada e faleceu em Goiânia, teve câncer de mama. Essa infelizmente teve câncer e quando descobriram, em questão de meses faleceu, infelizmente”, relatou Lucilene Brandão.

A atuação da Sesai com foco no atendimentos primário não amplia o tratamento especializado para a cidade. Apesar das casas da saúde indígena (Casai), que hospedam a população indígena quando vai até a cidade para realizar procedimentos médicos, muitos acabam expostos nas mãos de médicos sem preparo com a saúde indígena. O que requer que a saúde indígena não atue apenas no atendimento primário, mas se expanda para o atendimento de média e alta complexidade ainda dentro ou próximo às comunidades.

“São poucas as mulheres que procuram ajuda da saúde médica. Elas falam tem muitos olhares preconceituoso pelas não-indígenas. Se sentem menosprezadas, sentem na pele o preconceito e o racismo. Já tivemos casos de violência obstétrica, então preferem não dar continuidade ao tratamento”, relata Indiana Petsirei’Ö Dumhiwe, mulher indígena Xavante e técnica local de saúde. 

A técnica ainda aponta que existe uma insegurança das mulheres em relação ao sigilo dos tratamentos, para que elas não sejam expostas dentro da comunidade. A falta de médico também é mais um aspecto da comunidade, é apenas um médico para atender quase 9 mil indígenas. Além disso, o local enfrenta a falta recursos, alta incidência de depressão, a falta de serviços e tratamentos direcionados e profissionais que saibam se comunicar com os xavantes. “Algumas mulheres indígenas não conseguem compreender a informação, é preciso ter uma tradutora para falar na língua que elas possam entender”, pontua Indiana.

Mesmo os indígenas tendo menor a incidência de notificação de casos de câncer, o número de mortes são maiores em comparação a população geral. E a estimativa é que os casos aumentem devido a mudança de hábito dessa população, principalmente, quando vivem em contexto urbano. A Revista Brasileira de Oncologia Clínica ressalta que essa mudança é caracterizada como uma transição epidemiológica e sanitária que interfere no âmbito sociocultural, econômico e alimentar causando maiores impactos sobre a saúde dessa população. 

O que é o câncer do colo de útero ou câncer cervical?

Esse tipo de câncer não se tem autoexame, como é com o câncer de mama, muitas vezes os sintomas só aparecem quando o quadro já está avançado, o que requer maior cuidado para se detectar logo ao início. É gerada por um vírus, HPV (Papilomavírus humano), que ocasiona lesões na pele e mucosa vaginal, uterina e vaginal. Esse tipo de doença também acomete os homens indígenas, mas segundo as pesquisas, ocorrem em menor proporção em comparação ao câncer de próstata. 

A inexistência ou a pouca eficiência dos programas de rastreamento e atenção primária à saúde contribuem com os altos números. É um tipo de câncer que requer trabalhar também a saúde sexual junto a comunidade indigena. Conforme o estudo da revista do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein “a alta incidência de câncer do colo do útero em mulheres indígenas pode ser atribuída à atividade sexual precoce, à multiplicidade de parceiros sexuais e à alta prevalência de doenças sexualmente transmissíveis, como a infecção por vírus do papiloma humano (HPV), e pela baixa abrangência do exame de Papanicolau e da vacinação contra o HPV” apontam.

“É preciso trabalhar mais educação e saúde voltado para esse tema. Quebrar mais esse tabu, falar sobre prevenção e a importância de ir no ginecologista, além de buscar ajuda quando perceber qualquer sintoma anormal. Falar mais sobre esses assuntos na comunidade de maneira mais leve” diz Lahis Bernardo, assistente social da Sesai do polo base de Ilhéus.

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer o exame preventivo de câncer de colo de útero deve ser realizado a cada três anos por toda mulher entre 25 e 64 anos que tem ou já teve vida sexual. “Para maior segurança do diagnóstico, os dois primeiros exames devem ser anuais. Se os resultados estiverem normais, sua repetição só será necessária após três anos.”

O @pelasmulheresindigenas disponibilizou os 10 principais direitos que toda mulher indígena pode acessar caso seja diagnosticada com câncer. Veja aqui!

*O texto é de autoria das repórteres Ariel Bentes, Dandara Franco, Eduarda Nunes e Ludmila Almeida

*Foto em destaque: Ludmila Almeida

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