Fórum Grita Baixada lança o “Boletim Racismo e Violência na Baixada Fluminense” Comentários desativados em Fórum Grita Baixada lança o “Boletim Racismo e Violência na Baixada Fluminense” 16515

Após 17 anos da Chacina da Baixada, a sociedade civil ainda precisa cobrar por políticas justas de segurança pública e monitoramento de dados na área.

A equipe do Fórum Grita Baixada (FGB) realizou o lançamento do terceiro e último “Boletim Racismo e Violência na Baixada Fluminense” com informações a respeito dos impactos da violência de Estado na região. Como nas edições anteriores, o boletim traz interpretações críticas dos números apresentados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). O lançamento também dialoga com os 17 anos da Chacina da Baixada, considerada a maior do Estado do Rio de Janeiro, ocorrida em 2005. 

Mesmo após tanto tempo, a Baixada continua a ser um território extremamente marcado pela violência de agentes públicos. Como se não bastasse a ação de grupos à margem da lei, o próprio Estado é produtor sistemático de mortes. O fato disso ocorrer proporcionalmente mais na Baixada que na capital ou mesmo acima da média do estado, nos faz questionar a capacidade das instituições de controle da polícia de frear essa alta letalidade na região.

“Entre narrativas e dados oficiais buscamos, ao longo dessa série, traduzir a realidade da Baixada que é também a do Brasil: uma configuração urbana que produz territórios de exclusão, cuja função é atender as necessidades dos grandes centros. E não por acaso, dessa dinâmica de negação da cidade, faz parte o genocídio da população negra, jovem e pobre”, diz Lorene Maia, articuladora de territórios do FGB 

Chama atenção para o fato de, em plena pandemia e sobre a vigência formal da ADPF 635, (também conhecida como a ADPF das Favelas), que restringe a ação policial em favelas e periferias no contexto da covid-19, ocorrer um aumento de 10% nas mortes provocadas por agentes públicos de segurança, tanto na Baixada quanto no Estado do Rio. Destacamos que pretos e pardos continuam a se constituir em alvo preferencial, alcançando cerca de 70% de todos os mortos decorrentes da ação policial.

A despeito do crescimento de 10%, em algumas das cidades da Baixada Fluminense com mais de 100 mil habitantes, verificamos crescimentos absurdamente superiores, como é o caso de Japeri (92%) e Duque de Caxias (37%). Belford Roxo e São João de Meriti vêm logo em seguida com aumentos de 14% cada um.

“O Governador Cláudio Castro deve explicações para a população da Baixada Fluminense. Essa extrema letalidade da ação policial, muitas vezes beirando a ilegalidade e sem qualquer controle, vem vitimando uma população já tão abandonada por políticas públicas na área social. Só quem tem um filho morto pelas mãos daqueles que deveriam zelar pela ordem e proteção da vida sabem a gravidade do que trazemos nesses números frios”, diz Adriano de Araujo, coordenador executivo do Fórum Grita Baixada. 

Para fins de comparação, os outros dois boletins podem ser encontrados no site do Fórum Grita Baixada.  “O Fórum Grita Baixada acredita que o debate sobre raça/cor deve atravessar e estruturar toda discussão sobre violência, segurança pública e direitos humanos no Brasil, no Rio de Janeiro e em especial na região da Baixada que é majoritariamente negra”, declara o veículo.

Ausência de dados oficiais sobre atuação das milícias afetam o boletim do FGB e a compreensão desse mal

Uma das problematizações apresentadas recai sobre dados que consideram apenas as mortes decorrentes da ação policial ordinária, isto é, em serviço. Mortes provocadas por policiais em folga ou mesmo mediante a participação de policiais em grupos ilegais não são considerados neste levantamento. Os dados referentes ao total populacional em 2021, tanto de cidades da Baixada como o da cidade do Rio de Janeiro, são estimativas do IBGE. 

Para o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, a atuação das milícias e a participação dos policiais em organizações criminosas  deveriam ser objeto de atenção dos órgãos de monitoramento das forças de segurança, mas essa realidade é distante. 

“O ‘estado democrático de direito’ é uma palavra bonita nos discursos dos gabinetes, mas algo sem sentido para a maior parte da população. O Estado Brasileiro é seletivo, refratário ao controle social e principalmente, sustentado no controle de territórios periféricos pelo uso da força, do medo e do poder econômico, então cabe aos movimentos sociais cobrar essa informação objetiva sobre a atuação de policiais nos grupos milicianos, mas sabendo que isso não interessa a muita gente”, denuncia Adriano, que comenta também sobre a falta de diálogo de instituições governamentais com instituições da sociedade civil, quando estas resolvem suprir a falta de dados. “O FGB resgata dados oficiais do ISP nos três últimos Boletins porque são os dados reconhecidos pelo governo do estado. Fora isso, eles não dialogam, porque questionam outros dados que não os sistematizados pelo próprio Instituto”.

O caminho de solução, para Adriano, passa pela abolição das polícias, mas ele ressalta que é um cenário que não condiz com a realidade imposta pelos governos brasileiros. “Os mais pobres, os moradores de favelas, a juventude negra, as mães e familiares de vítimas de violência de Estado estão adoecendo e morrendo hoje. Essa sociedade, da forma como está estruturada, não vai dispensar o uso dos policiais e da militarização da segurança pública e da própria sociedade, então temos que lutar por reformas que possam hoje reduzir danos, minimizar ao extremo a capacidade de geração de morte por parte das forças bélicas do estado brasileiro”, comenta o coordenador do FGB, que conclui dizendo que é importante “ter o horizonte de onde se quer chegar, mas não ficar somente na bandeira da abolição das polícias”.

Outro prejuízo causado pela falta de cobertura de dados sobre milícias é a falta de conclusão sobre casos emblemáticos, a sensação de impunidade relatada por familiares e outros sofrimentos que atingem a população. Nesse sentido, a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, outra organização da sociedade civil que aborda esta temática, acompanhou o ato realizado no último dia 31 de março por familiares das vítimas da chacina que completou 17 anos.

Na ocasião, a equipe da IDMJR produziu uma entrevista que retrata o tamanho do sofrimento causado pelo descaso em eventos tão graves como a Chacina da Baixada. “Cada vez tá pior. Se há 17 anos atrás aconteceu isso, hoje está acontecendo pior ainda. A gente quer tanta coisa, quer paz, quer o fim da violência, eu acho que teve um começo mas o fim eu vejo que é impossível”, protestou Silvana, parente de uma das vítimas, em entrevista à IDMJR.

Imagem destaque: Renato Silva

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