Geografia, reflexão e ação em nossa realidade

O estudo da geografia é fundamental para a percepção de como o mundo se organiza e, especialmente, como os territórios são significados socialmente.

Eu era uma criança curiosa como qualquer outra e interessada por livros. Barganhei meu primeiro atlas geográfico ainda na terceira série do ensino fundamental. Troquei os cinquenta centavos do lanche pelo atlas de um colega de classe e sempre adorei ver os mapas. Nessa época, eu sempre me perguntava por que na África os limites eram tão retilíneos, achava até bonito, é muito mais fácil de desenhar, e não fazia ideia do quanto tudo aquilo tinha sido cruel. Anos mais tarde, me graduei em Geografia e li sobre Possibilismo, Determinismo, teorias geográficas que serviram de base para a dominação europeia, sem me conscientizar de como tudo aquilo afetava minha realidade. 

Apesar de o ser humano sempre utilizar os conhecimentos geográficos ao longo da história das civilizações, somente no século XIX eles conseguiram se consolidar como uma ciência. Isso só aconteceu porque passaram a existir condições sociais para isso. Com a expansão marítima e a colonização, os Europeus agora necessitavam de um conhecimento sistematizado para a elaboração de técnicas cartográficas para mapeamento dos seus domínios. Era preciso conhecer a Terra, entender o comportamento das civilizações até então desconhecidas e, a Geografia, através do estudo desses espaços, seria a ciência perfeita para “justificar” cientificamente a necessidade de determinados grupos dominarem e conquistarem demais territórios.

O determinismo de Ritter, um dos pioneiros da Geografia moderna, por exemplo, considerava o meio como determinante para o desenvolvimento das civilizações. A partir disso desenvolveu-se teorias como as de que povos de regiões montanhosas seriam pacíficos, já que contariam com a proteção natural do relevo, ou que povos das planícies seriam naturalmente guerreiros e ainda, os povos tropicais seriam indolentes e preguiçosos e o subdesenvolvimento seria fruto dessa tropicalidade.

A Geografia é ampla e seu objeto de estudo é ainda debatido. Haverá tantas geografias, quanto o número de posicionamentos sociais existentes e é a partir disso que essa ciência é tão fundamental para nossa compreensão e ação no mundo. Institucionalizada pelas sociedades brancas e imperialistas, o enfoque da geografia hoje é outro. Milton Santos, um dos intelectuais brasileiros mais importantes das últimas décadas fala do espaço geográfico como a mistura das condições sociais e físicas, um espaço dinâmico construído pelo ser humano.

A partir dessa compreensão do espaço, podemos refletir em como nossa atual civilização foi fundamentada e como nós estamos inseridos e podemos modificar essa realidade. Através do estudo e da conscientização eu pude aprender a razão das fronteiras entre os países africanos serem retilíneas. Tem a ver com o processo de dominação europeia que sem respeitar limites étnicos e culturais determinou qual desses pedaços seriam de uma ou de outra potência na época. 

O processo de colonização do mundo alterou profundamente a dinâmica de nossa sociedade. O racismo que hoje é causa dos maiores problemas sociais em nossa sociedade teve origem nesse processo de dominação. A geografia permite que você tenha contato com essa realidade do mundo. A partir da reflexão a gente entende o por que as populações negras no Brasil são as mais afetadas em relação a pobreza e a violência, e por que os negros são maioria nas cadeias de nosso país. Não é por que os negros cometem mais crimes, mas por que são os mais acusados e condenados.  

Estudando movimentos migratórios pode-se refletir sobre o processo de migração dos primeiros grupos humanos e descobrir que a África é nossa origem. Através dos estudos geográficos podemos aprender sobre a organização espacial brasileira e saber como as favelas e periferias foram formadas em nosso país, e por que a maioria dos habitantes dessas localizações são negros. Entender o porquê das coisas serem como são, porque os espaços são organizados como são, porque um dado território é visto como mais “perigoso” e outro como “mais nobre”, e refletir sobre isso é fundamental na ciência geográfica. Não basta apenas saber, é necessário, a partir desse conhecimento, partir para ação e ocupar os lugares de diálogo e construção do conhecimento. 

No 29 de maio, data que marca a criação do Instituto Nacional de Estatística, atual Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e celebra-se também o dia do geógrafo, desejo a todos os profissionais dessa ciência força nesses dias tão cinzentos de nosso país. Que continuemos nossa luta, que através de nossas reflexões e ações possamos formar uma geração de jovens conscientes da sua realidade, jovens que entendam seu mundo, jovens que possam pensar e construir um futuro com mais consciência com mais igualdade e respeito. 

Wesley Menezes é graduado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e gerente de lives no Youtube UFG Oficial na Reitoria Digital da Universidade Federal de Goiás. É Instrutor dos Jornalistas no Projeto Politizar da Assembleia Legislativa de Goiás  e apoio técnico na Cátedra Sérgio Vieira de Melo também na UFG.

Imagem em destaque: Wesley Menezes | Edição: Renato Silva e Ludmila Almeida.

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