Haiti: assassinato do presidente e escalada miliciana Comentários desativados em Haiti: assassinato do presidente e escalada miliciana 1358

Haiti

Primeiro-ministro declara estado de sítio no Haiti, o comando do país passa para as mãos do poder executivo e amplia a tensão.

O presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado a tiros em sua residência, na capital Porto-Príncipe, na madrugada desta quarta-feira (07). A primeira-dama, Martine Moïse, também foi alvejada e faleceu horas depois no hospital. A notícia veio em comunicado oficial pelo primeiro-ministro Claude Joseph, que pediu calma aos cidadãos e disse que o caso será investigado pela Polícia Nacional do Haiti e as Forças Armadas do Haiti. 

Ainda em nota, o ministro atribui autoria do crime a um grupo de pessoas não identificadas, mas que se comunicavam em espanhol. Até o momento não se sabe quem são os autores do crime e muito menos porque isso ocorreu. Um dos filhos testemunhou o ataque, mas conseguiu sair ileso.

“Na rádio dizem que os assassinos eram colombianos e venezuelanos, mas são militares que há dois meses estavam fazendo treinamento para a polícia. Mas tudo ainda é incerto. Com isso, as ruas estão vazias, os voos foram cancelados e a República Dominicana acaba de mandar fechar a fronteira terrestre. Estamos em estado de urgência. Hoje pela manhã li que a usina geradora de energia elétrica do país, que produz metade da energia necessária, está fechada ”, conta Claudia Alavez, socióloga e moradora no Haiti. 

Comunicado oficial.

Alavez afirma também que grupos armados estão tomando mais território, praticando massacres e roubos. “Dentre esses grupos há particularmente um que se denomina G9 e seu líder se chama Barbecue. Este homem tem um discurso de chamado às armas e se compara com Fidel, Mandela. No conflito por território, eles assassinaram militantes e civis. Terça-feira passada foram assassinadas 17 pessoas, entre elas uma jovem feminista que há muito tempo denunciava o governo”

O relatório do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos (CARDH) aponta que mais de 150 pessoas foram mortas e outras 200 sequestradas entre 1 e 30 de junho na área metropolitana de Porto Príncipe. O documento, que fala da “hegemonia do crime no Haiti”, diz ainda que entre 1 de janeiro a 21 de junho, ao menos 30 policiais foram mortos (em 2020, foram 26 assassinatos de policiais), segundo a ONG.

As gangues mais poderosas do Haiti construíram uma federação batizada de “O Grupo dos 9 em Família e Aliança”, uma referência aos nove principais líderes criminosos. Barbecue, o principal líder e porta-voz do G9, é um policial exonerado da Unidade de Manutenção da Ordem (UDMO), um órgão especializado da Polícia Nacional.

Jovenel Moïse, desde o começo do ano passado ocupava o cargo por decreto após enfraquecer o poder legislativo. De maneira unilateral propôs mudar a constituição a fim de eliminar o senado e dar ainda mais poder ao cargo de presidente. Além de ficar no posto, assegurando que o mandato termine somente em 2022, Moïse ameaçou o poder judiciário mandando prender um juiz do Supremo Tribunal de Justiça e mais 22 pessoas acusadas por tentativa de golpe de Estado e atentado à segurança do Estado. Ele afirmava que tal golpe para permanecer na presidência foi para evitar outro golpe de Estado que colocaria o país nas mãos de um grupo de família e de empresários. Por isso, dizia que deixaria o posto somente em 2022 com as eleições.

Entenda mais sobre a relação de poder de Moïse: O nascimento de uma nova ditadura no Haiti

Como se não bastasse, o país mais empobrecido da América Latina também recebe os impactos do negacionismo e da subnotificação de casos de covid-19. Além da desorganização do governo, que não conta com a garantia e nem data para início da vacinação contra o coronavírus. Situação catalisada por crise política, econômica e social, e climática, acumuladas antes da pandemia.

Atualmente mais de metade da população vive em crise alimentar, o país apresenta 46% da população em estado de elevada insegurança alimentar, ou seja, ao menos 4,4 milhões de pessoas, conforme relatório do PMA (Programa Mundial de Alimentos) e da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), publicado em março de 2021. Além disso, 72% da população de 11, 2 milhões de pessoas não têm saneamento, 42% não tem água potável. 

Leia mais sobre o assunto: Haiti: Entre pandemia e violência estatal

O Haiti é conhecido e temido historicamente por sua ousadia em ser a primeiro Estado das Américas livre da escravidão com a chamada Revolução Haitiana, comandada pela população negra, no começo do século XIX. No entanto, esse feito, até os dias de hoje é pago por um alto custo. 

Ao vencer entre outros exércitos também o de Napoleão Bonaparte – naquela época o maior e invencível exército do mundo europeu que instaura a Revolução Francesa – e declarar a independência haitiana contra o poder francês, vários laços foram rompidos ao longo dos séculos. 

O sistema econômico com seu amplo domínio mundial e “rede de vingança e panelinha”, não faz acordos com o Haiti e esse, pela dependência econômica externa com a economia 100% dolarizada, sem estrutura para produzir o próprio capital e organizar os poderes democráticos, passa por atos de corrupção e interferências internacionais que não são investigados, mas são apoiados pelos governos e milícias.

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Foto em destaque: Igor Rugwiza/UNMINUSTAH | Edição: Renato Silva.

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