Evento na Alerj. Marcelo Horn/ GERJ

A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial realiza nesta quarta-feira (15), o lançamento do Dossiê De Olho na Alerj, documento que reúne um monitoramento do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, durante o ano de 2021, com atenção voltada para as publicações do Legislativo, além da análise semanal da pauta de plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a Alerj.

O documento é também um alerta para a importância da participação de organizações e movimentos sociais nas distintas esferas do poder público como forma de acompanhamento e defesa dos direitos humanos.

A coordenadora da IDMJR, Giselle Florentino, relata que na atuação da Iniciativa, a organização percebeu a necessidade de acompanhar e incidir nas pautas e debates da Alerj. 

“O projeto surgiu da necessidade de fazer incidência política na Alerj, principalmente na pauta de segurança pública. A gente percebeu uma produção legislativa muito direcionada para uma militarização e queria disputar essa narrativa e construir um outro viés de segurança pública que não seja esse pautado pela produção de morte”.

No dossiê, a organização compartilha da atuação de incidência política protagonizada por organizações e movimentos sociais, também faz uma análise do orçamento público com enfoque em segurança pública e os principais impactos da ADPF 635 na produção de propostas legislativas na Alerj.

Produção legislativa sobre segurança pública

Mesmo passando por uma pandemia mundial, no ano de 2021, foram identificadas 99 proposições do campo de segurança pública na Alerj. Em relação ao ano anterior, ocorreu um aumento de 70% na produção legislativa de segurança pública, ou seja, houve uma intensificação na política de produção de morte do Estado.

Nesse cenário, é importante perceber que 81% das propostas legislativas promovem o aumento da militarização e apenas 10% das matérias sobre segurança pública tratam da garantia de direitos sociais.

A maior parcela das propostas legislativas sobre militarização dialogam com temas como reestruturação do plano de carreira e aumento de benefícios sociais das polícias, a expansão de novas unidades de policiamentos entre os municípios,  bem como, o aumento de arsenal bélico para as forças de segurança pública, maior financiamento para setores policiais,  a implementação de novas tecnologias de controle e vigilância.

Para Giselle Florentino, os temas tratados comumente na Alerj resultam na continuidade do genocídio do povo negro. “A gente sabe que esses temas são estruturalmente vinculados ao racismo institucional, que sempre levam ao encarceramento de corpos pretos. As propostas da casa são propostas de produção de morte”. 

O PSL foi o partido que mais produziu propostas legislativas de produção de morte na Alerj, um total de 18 matérias. Inclusive é o partido que mais possui membros na Bancada de Segurança Pública, a “bancada da bala” da Alerj.

Em relação à autoria das matérias legislativas, o Deputado Estadual Renato Zaca (PTB)  foi responsável pela maior parcela das proposições sobre segurança pública, seguido por Carlos Minc (PSB), Márcio Gualberto  (PSL) e Marta Rocha (PTB). Apenas esses 4 parlamentares são responsáveis por quase 30% de toda a produção legislativa no campo da segurança pública no âmbito do estado do Rio de Janeiro.

Orçamento público e produção da morte

De acordo com o documento, neste cenário de severa retração econômica, com a vacinação incompleta em toda a sociedade, quedas sucessivas na renda mensal e altos índices de endividamento e informalidade, a análise feita pelo Executivo Estadual acredita em aumento da arrecadação, melhoras nos índices de atividade econômica mesmo sem apresentar um plano de desenvolvimento econômico e social nas diretrizes orçamentárias, nem ao menos uma explicação ou saída estratégica para a retomada das receitas do estado.

O estado gasta mais com a promoção de uma política genocida e de encarceramento em massa através de ferramentas da militarização e suas consequências do que com a garantia da vida. Nesse contexto, é importante repensar o modelo atual de segurança pública, que utiliza 14,38% do total do orçamento público, que equivale a 12 bilhões de reais. 

O orçamento de Segurança Pública é maior que pastas inteiras como Educação, Assistência Social, Trabalho e Habitação, Ciência e Tecnologia, Saneamento e Cultura. 

Além disso, a coordenadora da IDMJR lembra que a categoria policial no Rio de Janeiro tem benefícios que servidores de outras pastas não têm e poderiam. “Existem benefícios sociais específicos para servidores da segurança pública que não são garantidos para servidores em geral, por exemplo a insalubridade, que é dado para as polícias civil e militar e não para outros servidores”, relata Giselle.

Dessa forma, a prioridade do Governo no orçamento público é a execução e expansão de uma política de morte, através do aumento da militarização da vida e o investimento em armamentos bélicos e força policial.

Apenas as Secretarias de Polícia Civil e Militar recebem juntas R$ 7 bilhões para custear suas atividades, enquanto Educação recebe apenas R$ 5 bilhões e Saúde, no meio de uma crise sanitária, R$8 bilhões.

Audiências públicas na perspectiva dos movimentos sociais

Ao escutar familiares sobre a participação nas audiências públicas, a IDMJR ressalta alguns pontos apresentados nesse texto como uma reflexão que pode servir para traçar diretrizes futuras:

  • Ocorre um processo de pressão e controle, por parte das assessorias parlamentares, em relação ao tempo das falas dos familiares e movimentos, o que inibe uma participação mais efetiva e crítica do processo.
  • A maioria dos familiares e participantes dos movimentos sociais não veem a materialidade dos encaminhamentos previstos nas audiências públicas.
  • As audiências na esfera do poder Federal, sobretudo o Supremo Tribunal Federal (STF) têm a ideia relacionada à hierarquia do poder e ficaram mais marcadas na memória e percepção dos participantes. Isso porque elas acreditam que a ADPF 635, com a definição da suspensão das operações durante a pandemia, foi uma vitória, dando ares de conquista coletiva aos movimentos. Enquanto na esfera Legislativa, a impressão é de descrença com a Alerj.

Descumprimento da ADPF 635

A afronta não se dá apenas com relação ao posicionamento explícito do Executivo de descumprir a liminar do STF que proíbe operações policiais durante a pandemia. Mas, também inclui o poder legislativo, em especial com relação à bancada da bala da Alerj, que vem sistematicamente colocando proposições e ações legislativas com a finalidade de fortalecer a produção de morte por parte das polícias, isentar o abuso policial e fortalecer o arsenal bélico das forças armadas. O que resulta em um amplo descumprimento das orientações do STF. 

O Executivo e a bancada da bala da  Alerj produzem de forma articulada ações com objetivo de enfraquecer a ADPF das Favelas e, por conseguinte,  fortalecer a política de segurança pública da milicialização. A IDMJR identificou 9 proposições legislativas que afrontam a ADPF 635.

A co-fundadora do Coletivo Papo Reto, Renata Trajano, contou que inicialmente houve alguma esperança que a decisão do STF iria reduzir a incidência violenta das polícias nas favelas, mas o que não se cumpriu.

“O Estado não respeita a maior corte do país. O Estado não tá nem aí para o que a corte julga ou deixa de julgar. Continua fazendo as operações, que eu costumo dizer que são clandestinas. Porque com uma ADPF, no meio de uma pandemia, em 2020 mata-se 13 pessoas em Nova Brasília, depois 29 no Jacarezinho, 10 em São Gonçalo, 5 na Baixada, fica pra conta de uma ADPF, que quando surgiu era um pavio de esperança. E, desculpa, decisão judicial na favela não funciona”, afirma Renata.

O Coletivo Papo Reto, assim como a IDMJR, a Defensoria Pública do Estado e diversas organizações sociais da sociedade civil foram responsáveis pela ADPF 635, ou ADPF das Favels, uma ação coletiva proposta junto ao PSB em novembro de 2019, mas que só entrou em vigor em junho de 2020 e vem sendo desrespeitada durante a pandemia pela pasta de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. 

A co-fundadora do Papo Reto alega ainda a sua descrença em relação ao judiciário perante o morador de favela. “Hoje tá rolando ainda o julgamento da ADPF, que depois de muita pressão nossa voltou a julgamento no STF, está 1 a 0 a favor. Mas a gente sempre perde muito e aí eu tô um pouco descrente com essa votação de hoje, muito mesmo. Até porque as operações continuam a todo vapor, ontem teve uma no complexo do Salgueiro e hoje teve em outros vários lugares. Então, como acreditar num judiciário desses?”, protesta Renata Trajano. 

Ademais, quando a IDMJR estava terminando a pesquisa legislativa, entrou em tramitação em regime de urgência, a Mensagem do Governador  em forma de Projeto de Lei Complementar n° 55/2021 de autoria do Poder Executivo, que institui a Lei Orgânica da Polícia Civil.

O texto lei é completamente inconstitucional, arbitrário e possui forte inspiração no período da ditadura civil-empresarial militar. Trata-se da formação de uma nova polícia, pois a atuação permitida por essa Lei Orgânica ultrapassa de longe as competências constitucionais da Polícia Civil. Além de possibilitar a completa autonomia política e financeira da Polícia Civil, criando obstáculos até mesmo para o controle policial efetuado pelo Ministério Público.

Imagem em destaque: Marcelo Horn/ GERJ / Fonte: IDMJR

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