No final da noite de sexta-feira 1º de novembro, começaram a chegar áudios e notícias no celular de que indígenas haviam sofrido uma emboscada – enquanto caçavam na mata – de madeireiros ilegais, que duas pessoas foram mortas e uma ferida, no interior da Terra Indígena Araribóia, no município de Bom Jesus das Selvas – Maranhão, entre as aldeias Lagoa Comprida e Jenipapo.

Paulo Paulino Guajajara – Kwahu Tenetehar, conhecido na aldeia como “Lobo Mau” foi uma das vítimas fatais, e até o fechamento dessa matéria, seu corpo ainda não havia sido retirado do local para levá-lo à sua aldeia. Paulino foi atingido na região do pescoço e não resistiu. A outra vítima fatal seria um madeireiro que estava envolvido no ataque – informação ainda não confirmada, e a liderança indígena Laércio Guajajara – Tainaky Tenetehar ficou ferido gravemente, com um tiro nas costas e um no braço, e se encontra hospitalizado no momento.

Atualização 04/11/2019: os indígenas estavam sozinhos na mata caçando e foram surpreendidos e emboscados pelos madeireiros. Ainda segundo informações obtidas pelo veículo, não há confirmação de que um dos não-indígenas foi baleado e nem de que seu corpo está desaparecido como foi divulgado ontem. A avaliação inicial da Polícia Militar de Amarante do Maranhão é de que houve uma emboscada, sem indício de confronto.

Alertas de desmatamento em Terra Araribóia, documentado em 2018 – ISA

A região da TI Araribóia é históricamente conhecida por conflitos de terra, promovidos pela exploração ilegal de recursos naturais de terras homologadas, e reconhecidas pela União, além de incêndios masivos que devastam a floresta e os meios de sobrevivência dos povos indígenas.

O relatório anual do CIMI Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, já em 2017, colocava o Maranhão como o estado com o maior número de conflitos indígenas no país, com 18 casos de invasões de terras indígenas. Os casos envolviam disputas com fazendeiros, grileiros, madeireiros, a influência das ferrovias para extração mineral, dentre outras ocorrências.

No estado do Maranhão, 71,28% de sua floresta original, que fica na Amazônia Oriental, foi desmatada. O equivalente 105.195 km² de mata. Grande parcela da floresta que está sendo devastada ou explorada ilegalmente, encontra-se em área indígena. As terras indígenas, que por lei são de proteção integral, equivalem a 52% dos 42.390 km² de floresta ainda restantes no estado. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 13% das áreas indígenas no estado foram desmatados.

Em outubro de 2015, um incêndio devastou cerca de 220 mil dos 413 mil hectares da Terra Indígena Araribóia, o que representa mais de 50% da área (INPE). Em 2016, os incêndios continuaram a agravar a situação. Foram registrados 408 focos de incêndio no interior da área indígena, no período de janeiro a novembro daquele ano. As queimadas provocam impacto direto na vida dos índios awá-guajás e guajajaras.

Indígenas haviam sofrido uma emboscada de madeireiros ilegais, deixando duas pessoas mortas e uma ferida, no interior da Terra Indígena Araribóia.
Em 2019 com as últimas queimadas na Amazônia, o estado do Maranhão identificou somente em setembro, 3,6 mil focos de incêndio, que representam um aumento significativo de queimadas em relação aos anos anteriores.

Guardiões da Floresta

Paulino Guajajara, morto no ataque, e Laércio, ferido e hospitalizado, integram o grupo indígena chamado Guardiões da Floresta. Este grupo, cansado do abandono do estado e dos órgãos de proteção indígena, começou em 2012 a realizar incursões de monitoramento na mata para proteger seu território da exploração ilegal e defender seus modos e costumes de vida.

Atualmente diversas Terras Indígenas da Amazônia contam com grupos de guardiões e guardiães da floresta que monitoram seus territórios e comumente expulsam madeireiros e demais empreendimentos ilegais de suas terras.

Guardiões Guajajaras monitoram a chegada de caminhões pelas estradas. Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

“Eu estou orgulhoso dos guerreiros continuarem a luta, porque nossa terra era considerada como perdida”, disse Laercio Guajajara, em uma entrevista que deu à imprensa em setembro.

Olímpio Guajajara, também uma das liderançãs dos Guardiões, denunciou na mesma entrevista: “Quem deveria fazer o trabalho de fiscalização e proteção das terras indígenas não faz” então eu tenho a missão de ter de proteger as terras”.

Veja esse vídeo de Junho de 2019 em que Olímpio denuncia a ação de pistoleiros na região.

Nessas incursões os Guardiões chegam a ficar de 15 a 20 dias na mata, acampando e avançando no monitoramento de vastas extensões de floresta amazônica. Neste monitoramento utilizam tecnologias de GPS, drones e câmeras filmadoras para identificar riscos e documentar a exploração ilegal e o roubo de recursos de suas regiões e responsabilizar os empresários e políticos envolvidos.

Madeireiros são interceptados por indígenas e entregues à polícia local. Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

Constantemente são criminalizados pela imprensa local, pois em algumas dessas incursões foram realizadas queimas e destruição de tratores, veículos e ferramentas de madeireiros ilegais, como medida legítima de autodefesa e proteção de seus territórios.

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Algumas dessas ações são acompanhadas por agentes da polícia militar ambiental, que muitas vezes se faz necessária para respaldar as ações e confirmar que os grupos indígenas não operam com violência nem na ilegalidade, e que na verdade são medidas urgentes e necessárias para proteger seus territórios e seus povos da ganância dos empresários e latifundiários.

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Bolsonaro tem sangue nas mãos

A conjuntura dos ataques e exploração ilegal em terras indígenas da Amazônia tem um cenário complexo e interconectado com as estruturas do poder político em Brasília. Os enfrentamentos entre madeireiros e indígenas que se intensificam na floresta estão diretamente ligados ao discurso criminalizador e racista empreendido pelo gerente de turno, Jair Bolsonaro.

Suas falas em redes sociais e pronunciamentos oficiais, quando se referem aos modos indígenas e suas terras, sempre vêm carregados de deboche, preconceito, estereótipos e ofensas. E diariamente suas mensagens reforçam a impunidade e dão respaldo oficial aos crimes de latifundiários, grileiros e madeireiros que agem na ilegalidade.

É preciso atacar frontalmente essa narrativa de Bolsonaro de que os povos indígenas estão atrasados e desejam o “progresso”. Os povos da floresta sabem muito bem o que querem, e se levantaram com os recursos que podem: câmeras, drones, celulares, gps, armas…para defender bravamente suas terras da sanha do capital transnacional e dos latifundiários locais.

Avante povo de luta!!! Não haverá esquecimento para a morte do guerreiro Paulino Guajajara, nem perdão para essa emboscada covarde contra os Guardiões da Floresta. Sua digna luta será lembrada, celebrada e propagada, para dizer ao continente latino americano que:

Os Povos Indígenas da Amazônia Brasileira Também Estão Em Pé de Luta!
PAULINO GUAJAJARA: PRESENTE HOJE E SEMPRE NA LUTA!


Por Vito Ribeiro ( https://radiomutirao.com/ )

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