Roda de conversa com Frances Haugen e Anielle Franco, promovida pelo Instituto Marielle Franco, no Observatório de Favelas. Foto © Douglas Lopes

Nesta quinta-feira (07) o Instituto Marielle Franco, juntamente com o Observatório de Favelas, o Instituto Da Hora, DataLab e o LabJaca, recebeu a visita da engenheira de dados e ex-funcionária do Facebook, Frances Haugen, no Complexo da Maré para um diálogo sobre a responsabilidade das grandes empresas de tecnologia no combate à violência política na internet às vésperas das eleições 2022.

Frances Haugen foi quem, em 2021, divulgou documentos internos da gigante de tecnologia à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos e ao The Wall Street Journal. Os “Facebook Papers” – como ficou conhecido o vazamento dos documentos – evidenciam a negligência da empresa em garantir um debate público saudável, negando-se a implementar soluções técnicas existentes e destinando poucos investimentos à moderação de conteúdo em língua não inglesa.

A ex-funcionária da bigtech Facebook, que já falou em parlamentos na Europa e depôs no Senado americano, participa de audiência pública em Brasília na próxima terça-feira (12). Em sua passagem pelo Brasil, ela também tem encontros com organizações que atuam no tema de regulação das plataformas, para aprender sobre os diversos danos da negligência das empresas no país, incluindo a violência política.

A exemplo dos danos causados pela negligência do Facebook e do baixo investimento para moderação em português e outros idiomas, Frances relatou que hoje ainda há muito o que ser feito sobre transparência e sobre como a empresa não está empenhada em resolver os problemas.“Agora eles não são obrigados legalmente a divulgar quanto eles investem em português versus outros idiomas. Existem de 150 a 160 sistemas de segurança em inglês e 15 em português do Brasil, dos quais eles não são obrigados a divulgar nenhum dado sobre como as coisas funcionam nesses sistemas em português, em comparação com os de língua inglesa”, comenta.

Ainda sobre a disparidade, Frances lembrou da reunião realizada com outras organizações brasileiras, que falaram sobre problemas para relatar violência de gênero na plataforma. “Nos reunimos com um grande número de pessoas da sociedade civil na segunda-feira e um grupo que fala sobre violência contra as mulheres relatou como todas as suas lideranças tiveram suas contas banidas pelo Facebook porque quando falam sobre a linguagem que é usada para atacar as mulheres, os filtros do Facebook são tão mal escritos para o português que todas acabam sendo banidas, pois não há compreensão do sistema da diferença entre atacar e reportar. Nos Estados Unidos esses filtros têm mais investimento e assim você pode fazer contra-discurso, eles entendem a diferença entre lutar contra um problema”, conclui.

Sobre essa problemática da falta de transparência do Facebook, Frances acredita que reforça a ideia de que todas as escolhas são tomadas na Califórnia, mesmo que se repita que denunciar as violações fará com que as contas sejam banidas, mas é preciso que algo seja feito aqui em nosso país. “A gente precisa se organizar em nossas comunidades para forçar nossos líderes a aprovarem leis, que exijam do Facebook uma condição para atuar no Brasil, que nos dê dados sobre como de fato o sistema opera, com dados reais sobre como a moderação de conteúdo de fato acontece. Isso porque o Facebook deixou claro que as únicas pessoas que vão trabalhar duro o suficiente para garantir que a moderação de conteúdo de fato funcione no Brasil são os próprios brasileiros”, garante.

Roda de conversa com Frances Haugen e Anielle Franco, promovida pelo Instituto Marielle Franco, no Observatório de Favelas. Foto © Douglas Lopes.

Já a respeito de apurar denúncias, acompanhar dados, como os revelados pela engenheira de dados no caso conhecido como Facebook Papers, Frances lembra que ainda somos dependentes de iniciativas da sociedade civil que dão conta de mecanismos de acompanhamento de bases de dados. “Há iniciativas que permitem configurar softwares de monitoramento, de modo que os cidadãos possam começar a coletar dados suficientes para que a gente possa, independentemente, provar o que está acontecendo no Facebook. O programa mais extenso desses acontece nos Estados Unidos e é profundamente necessário que esses programas sejam iniciados no Brasil porque os padrões são diferente, nós sabemos que o Facebook não investe o suficiente em segurança fora dos Estados Unidos, e a realidade é que o local que a gente precisa mais de dados é fora dos Estados Unidos”, conclui.

Sobre esse cenário específico no Brasil, a fundadora do Instituto Da Hora, cientista de dados e hacker antirracista, Nina Da Hora, acredita que hoje no Brasil não há uma iniciativa que sozinha tente responsabilizar as plataformas de redes sociais pela falta de transparência, mas uma união de iniciativas. “O que existe é uma união de iniciativas de diferentes áreas pra entender quem é que tá comunicando de uma forma mais direcionada à população marginalizada pela sociedade, e pra você tentar entender de uma forma mais aprofundada como você diminui a interferência dessas plataformas no nosso dia-a-dia”, acrescenta.

A urgência em falar sobre violência política em ano de eleição

A poucos meses para as eleições de 2022, os casos violência política – sobretudo contra mulheres negras, trans e travestis – vêm aumentando de forma cada vez mais brutal. As eleições dos últimos anos no Brasil, e também em outros países, foram pautadas pela violência política, em especial a violência virtual. A internet potencializou uma explosão de discursos de ódio e desinformação resultando em violência racial, misógina, LGBTQIfóbica cometida virtualmente, e em ameaças e incitação à violência física contra candidatas e parlamentares. 

Pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco sobre violência política, no contexto das eleições municipais de 2020, mostrou que 98% das candidatas negras participantes sofreram pelo menos um dos tipos de violência política que foram mapeadas. A mais relatada foi a violência virtual, reportada por oito a cada dez participantes. Segundo a pesquisa, a maioria das candidatas recebe comentários e/ou mensagens machistas e/ou misóginas em suas redes sociais, por e-mail, ou outros aplicativos de mensagem. Também relata ter recebido comentários racistas ou participado de reuniões virtuais que foram invadidas. 

Para Anielle Franco, diretora executiva do Instituto Marielle Franco, “as redes continuam sendo o espaço que dezenas de pessoas utilizam para produzir políticas de desinformação e ódio contra a memória, a história e a trajetória de Marielle Franco e de outras mulheres negras. É urgente a incidência sob os órgãos de justiça para buscar maior regulação, monitoramento e combate a estas violências fomentadas no ambiente virtual”.

Em 2021, foi aprovada a Lei nº 14.192/2021, que define a violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”. A sociedade civil tem se organizado para cobrar das plataformas de redes sociais uma postura mais responsável no combate a este tipo de violência. Neste momento, a mobilização se dá com olhos nas eleições de outubro e também em torno da tramitação do PL 2630/2020, o PL das Fake News. 

Mesmo com a possível aprovação do PL das Fake News, alguns temas ainda permanecerão complexos, como exemplo da criação de perfis falsos nas redes sociais, o texto da lei utiliza os termos “desencorajar a criação de perfis falsos” para abordar essa temática, quando é de conhecimento público que tais perfis são utilizados também para proferir ataques e ameaças às parlamentares mulheres negras e LGBTQIAP+.

Anielle considera que, além do exercício da lei, é também necessário que haja ações práticas dos partidos políticos, dos quais estas e estes parlamentares vítimas de ataques são integrantes, mas sente que negligenciam a responsabilidade. “Acho que parte muito de um papel de proteção. Eu sinto que às vezes alguns partidos pegam as ‘meninas’ só pra cumprir, sabe? Tipo ‘eu vou cumprir aquela meta’, mas também, ‘ah, vamos botar umas mulheres ali pra gente tentar eleger’, mas não protegem. Eu fico muito na dúvida se minha irmã [Marielle Franco] tivesse tido alguém que olhasse e falasse: ‘vamos proteger essa mulher, que essa mulher é um fenômeno’ e ninguém teve isso. Acho que o primeiro passo é proteger, de imediato”, comenta a diretora.

Para ela, há ainda uma sequência de ações que os partidos podem tomar. “E o segundo passo é ações concretas, porque quando elas são ameaçadas, o que eles fazem pra protegê-las, ou pra cuidar, ou pra tirar do país ou pra tirar da cidade. Então, é obrigação dos partidos proteger essas mulheres também, mas só sociedade civil é que tem feito, né? A gente corre atrás de financiamento, de dar visibilidade ao caso, ‘ah, vai pra onde?’, vamos arrumar lugar pra ir, mas não só a gente, os partidos tem que chegar e somar juntos também” declara Anielle.

Um dos tantos exemplos de parlamentares que sofrem com violência nas redes sociais e demais plataformas digitais, a vereadora Benny Briolly, primeira vereadora transexual a assumir um mandato na Câmara Municipal de Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, vem recebendo ameaças desde 2016 e desde 2021, com a proximidade das eleições deste ano, a violência política e de gênero contra ela vem aumentando.

De lá pra cá foram mais de 20 ameaças, tendo chegado a receber 3 ameaças em uma semana. Em 2021 a vereadora precisou sair do Brasil devido às ameaças que vinha sofrendo. As violências contra Benny chegam de todos os lados: redes sociais, email e de seus coledas de Câmara.

Mais recentemente, em 23 de junho de 2022, Benny usou seu perfil no Twitter para denunciar o recebimento de ameaça vindo do e-mail oficial do gabinete do deputado estadual Rodrigo Amorim (aquele mesmo que quebrou a placa com o nome de Marielle Franco, junto ao deputado federal Daniel Silveira e o ex-governador Wilson Witzel). Na postagem, a vereadora declarou que não vai tolerar mais essa ameaça. “Gente, é inadmissível, novamente uma ameaça de morte. E dessa vez do e-mail oficial do gabinete do deputado Rodrigo Amorim. Isso não pode acontecer de maneira nenhuma. Quem escreveu esse email é pra estar preso. Isso é um atentado ao meu corpo e um atentado à democracia brasileira”, protestou a vereadora.

Benny Briolly é também pré-candidata a deputada estadual no Rio de Janeiro, foi a vereadora mais votada em Niterói, além de ser a primeira travesti eleita no estado e ser  presidenta da Comissão de Direitos Humanos do município.

Foto destacada: Douglas Lopes.

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