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Israel, um país colonial

A ideia de “normal” esconde, muitas vezes, a importância em se discutir e dar o devido nome a dadas situações. E quando se trata de violência, normalizar tal contexto é sinônimo de perpetuação das desigualdades. 

No mês de maio, pudemos observar mais um capítulo na violência colonial de Israel sobre a população palestina. Os recentes eventos tiveram seu “começo” no processo de expulsão de famílias palestinas da região de Sheikh Jarrah, bairro de maioria palestina localizado em Jerusalém Oriental. Posteriormente, passaram ao ataque à mesquita de Al-Aqsa, 3ª mais importante para o islamismo, e, alcançaram seu cume nos bombardeios a Gaza, durante 11 dias. Porém, após as ações de Israel contabilizarem mais de 200 pessoas mortas no lado palestino, o que comprova a disparidade de forças no “conflito”, o jornalista Guga Chacra decidiu que seria conveniente normalizar e relativizar as ações do governo colonial de Israel. Segundo Chacra,  Israel é “uma nação normal, nem melhor e nem pior do que as outras”.

Nesse momento, podemos nos esquecer de qualquer ideia pré-determinada que temos sobre o que é uma democracia, ou qualquer outra forma de Estado. Para o jornalista, todo o processo de construção de Israel, através da limpeza étnica  do povo palestino e a rejeição  de qualquer forma igualitária de representação, são insignificantes, o que realmente determina a normalidade de uma nação está ligado ao fato de lá existirem “taxistas e motoristas de aplicativo”, “jovens que fazem kitesurf” ou “pais que levam os filhos ao playground”.

Invariavelmente, então, podemos pensar que qualquer modelo de país que existiu e que apresentou algumas dessas características seria normalizado por Chacra. Qual o real valor da liberdade de expressão durante a ditadura militar brasileira se naquele momento tínhamos jovens jogando futebol em uma quadra no interior de São Paulo? Ou, nesse caso, qual a importância da vida das 60 crianças assassinadas em Gaza, por Israel, somente no mês de maio, se em Tel-Aviv há “excelentes universidades”?

Crianças palestinas que voltaram ao seu bairro, olham para os danificados de suas casas, atingidas pelo bombardeio israelense em Gaza em 21 de maio de 2021. Foto: Agence France-Presse.

A relativização das ações de Israel, infelizmente, não se restringe somente a textos como o de Guga Chacra, mas se tornou uma narrativa fortemente estabelecida tanto na mídia nacional, quanto nas retóricas populares de parte considerável da população brasileira. Sendo que, esse grupo é majoritariamente composto pela mesma parcela de eleitores responsáveis por eleger o governo genocida que temos e, ainda, por uma parcela pouco divulgada, os sionistas de esquerda – grupo “progressista” que defende continuamente a ideia de que a limpeza étnica palestina não está conectada ao Estado de Israel, mas sim as eleições de extrema-direita nos últimos anos. Ou seja, o discurso sionista não está enraizado em somente um lado do espectro político brasileiro.

Porém, devemos nos esforçar para quebrar essa narrativa, mesmo que aos poucos. Portanto, vamos aos fatos. Israel é uma nação normal? Essa nação normal, desde 1948, tem realizado um vasto processo de limpeza da população palestina local. Ocupando, de forma ilegal, territórios que antes pertenciam à esses, como nos bairros de Sheikh Jarrah e Silwan. Realizando, diariamente, ações violentas contra a liberdade e vida, do povo palestino que lá resiste. Somente entre abril e maio deste ano cerca de 1500 palestinos foram presos por forças israelenses.

Forças israelenses prendem o palestino Fevzi El-Junidi, de 14 anos, após confrontos após protestos contra a decisão do então presidente dos EUA, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, na cidade de Hebron, na Cisjordânia, em 07 de dezembro de 2017.
Foto: Wisam Hashlamoun / Anadolu Agency.

Israel, essa nação normal, é responsável pelo despatriamento de mais de 5 milhões de palestinos, que hoje se encontram espalhados pelo mundo e de seus descendentes, que não possuem o direito de conhecer a sua terra de origem, incluindo minha família. Isso é resultado da lei de retorno unilateral (1950), que permite que qualquer indivíduo que se identifique como judeu emigre para Israel, porém não apresenta a mesma recíproca para os palestinos e seus descedentes. Desde 2018 Israel se identifica como o Estado-Nação do povo judeu, excluindo dele, então, o povo palestino que resiste naquelas terras a muito tempo. Logo, Guga Chacra, para Israel ser definido como uma nação normal, o normal teria que significar: colonial, racista e genocida.

A chamada “democracia” israelense se sustenta através da morte e da desapropriação do povo palestino, a configurando, assim, em uma nação colonial. E aqui o termo “desapropriação” não se refere somente a terras, mas também ao exercício por parte de Israel do controle ao acesso à água, energia, ensino, religiosidade e qualquer outro direito ou necessidade básica para uma reprodução digna da vida social. Pontos em índices internacionais, como aqueles citados por Chacra, desconsideram, voluntariamente ou não, que em Israel vidas como a de Mohhamad Kiwan, jovem de 17 anos assassinado pelas forças policiais israelenses em maio deste ano, são tiradas diariamente pelas forças policiais e militares do país, assim como as vidas brasileiras tiradas diariamente, como no recente massacre do Jacarezinho.

Israel, um país colonial
Pedro Riera Emleh/Federação Árabe Palestina do Brasil.

A recente aprovação, no dia 02 de junho, pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), de um acordo de cooperação militar entre Brasil e Israel é mais um passo para nos lembrar que as armas que assassinam jovens palestinos, também assassinam jovens brasileiros. Porém, aparentemente, para Chacra, isso não é um grande problema, afinal se Israel é uma nação normal, o Brasil seria o que?

Hasan Boscariol é graduando em Relações Internacionais pela PUC-SP e membro do GECI (Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP).

Imagem em destaque: Divulgação | Edição: Renato Silva e Ludmila Almeida.

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