‘Cada estudante negro e morador de favela carrega consigo dificuldades que vão além da compreensão dos estudos’, diz educadora

“Política genocida não se trata apenas de morte, mas também das ausências de oportunidades para o povo periférico e negro”, afirma a educadora social Mônica Cunha, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e fundadora do Movimento Moleque.

Sempre à frente no debate antirracista, ao comentar o alto índice de evasão escolar da população negra no Brasil, Mônica diz que cada estudante negro e morador de favela carrega consigo dificuldades que vão além da compreensão dos estudos – ou seja, se a entrada no ensino básico e superior é problemática, a permanência é muito mais. E continua: as políticas públicas deveriam ser inclusivas, sim, mas em seu lugar há um desamparo programado por questões raciais. “Hoje, ao ver uma criança negra na rua ou trabalhando em semáforos, as pessoas julgam como normal. Ao ver uma criança branca nas mesmas condições, o cenário muda”, acrescenta.

Evasão escolar
• Os jovens negros de 14 a 29 anos são maioria nas estatísticas de evasão escolar no ensino básico
• Eles somam 71,7% dos alunos que abandonam os estudos
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad/2019)

Os homens negros são os mais atravessados por essa realidade. “Você vê a diferença de oportunidades quando observa quem acessa instituições públicas de ensino, como as universidades federais”, diz. “São alunos de escolas particulares, geralmente de zonas mais nobres, e que não tiveram interrupção nesse processo. Mas, na política genocida, você não vê homens negros nessa proporção. Por quê? Se eles ainda não foram presos, estão mortos.”

Questões de desigualdade

Da dificuldade de deslocamento até a escola à necessidade de complementar a renda familiar, muitas coisas levam alunos a abandonar os estudos. Com a pandemia do coronavírus e a adoção do ensino remoto em algumas instituições, o acesso limitado à internet e a falta de equipamentos também se tornaram barreiras.

Para Sérgio Roberto Kieling Franco, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os impactos negativos, que já são grandes, tendem a aumentar. “A busca de renda, de uma solução mais imediata nesse momento de crise financeira, pesa bastante”, explica Sérgio. “Por questões que envolvem o racismo estrutural no país, as famílias negras, em sua maioria, têm poder financeiro menor do que o das famílias brancas. Então, entre o emprego e o estudo, acabam optando pelo trabalho.”

Alguns empregos, diz Sérgio, oferecem uma carga horária que inviabiliza a conciliação de emprego e estudo. “Uma das áreas que mais contratam jovens negros e de favela são as linhas de supermercado, mas você vê que o horário não é compatível com a escola. Isso faz os jovens optarem pelo trabalho para ajudar em casa.”

*Este texto é uma produção da coluna do Favela em Pauta no Expresso Na Perifa.

Imagem em destaque: Tamarcus Brown

Bastidores do FP

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