Foto: Andressa Núbia
Foto: Andressa Núbia

Lucia Cabral no RG, mas para os filhos do Complexo do Alemão é Tia Lucia mesmo. Ela que desde pequena queria mudar realidades, aos 51 anos se vê dirigindo o Educap — Espaço Democrático De União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção no Complexo do Alemão e buscando novas parcerias para ampliar o alcance do seu trabalho.

Se a gente trabalha em rede dentro da favela, a gente é mais potente que lá fora”

Lúcia carrega em sua trajetória memórias de ações e realizações à serviço da comunidade. E durante a conversa aproveita para repetir a frase que ouvia de seu pai: “a gente cresce para lutar contra a desigualdade”. Tantas memórias, diz ela, “não me trazem revolta de violência, mas uma revolta de resistência” para lutar contra as desigualdades. “Não dá para aceitar e crescer aceitando toda essa carga que jogam para dentro da favela. Até porque a pobreza gera grana para quem está lá em cima no patamar mais alto”, afirma.

Tia Lúcia nutre um amor profundo pelo Complexo do Alemão por ele ter sido o lugar que acolheu sua família e ela quando criança. O lugar que seus irmãos nasceram, que ela constituiu família e onde tem todas as memórias de infância. “Eu cresci no funk. Olha, eu casei com o meu marido e conheci ele no baile funk”, lembra. Ela é capaz de mencionar datas, ruas, nomes e pessoas que passaram pelo Alemão. Seus olhos brilham a lembrar do Baile da Paranhos, Folia de Reis, as quermesses, o Bloco do Pereira e toda vida cultural que a cercou na infância e adolescência. Talvez esta seja sua força motriz. Ver o Alemão grande de novo, mesmo quando o mundo insiste em afirmar o contrário. “O governo parece que trabalha para destruir na cultura da favela”, questiona.

nome favela não é sinônimo de coisa ruim. Ela é a natureza, o meio ambiente. Ela é a clorofila que nos dá vida. E por que enxergam ela como sinônimo de coisa ruim?”

Uma coisa é certa. Se o governo trabalha para destruir, Lucia emana vida por todos os lados. Já dirigiu creche, quadra de escola, deu aula para crianças e adultos, gerenciou bar, cinema e até movimentou campanha de prevenção no baile. Desde 2008 está a frente do EDUCAP e a cada dia busca se renovar e atentar para o futuro que a favela aponta.

Porque essa tecnologia, que é a tecnologia humana junto com a tecnologia da máquina faz girar histórias, girar o crescimento e o empreendedorismo”

Se fora de cada ela é quem cuida e acolhe aqueles que precisam, em casa ela é cuidada pelo Marcos, seu marido. “Ele faz massagem nos meus pés quando eu chego muito cansada e cozinha para mim”, conta. Sua família permanece sendo sua principal base de sustentação e amor. Além do bom humor e do jeito leve de levar a vida, ainda que num contexto de morte, é o que a ajuda a não cair em depressão.

A conversa se encerra com Lúcia nos convocando a construir para além do que a geração dela foi capaz de construir. “A estrada vai indo e crescendo. Quem fica vai construir.”. E completa, “eu acho acho que a gente tem que enxergar o futuro com todo mundo junto. Com a família da favela bem sucedida, feliz e alegre e com essa potência valorizada mundialmente”. Por essas e outras que, pra ela, chamar de tia não é problema. Todo mundo aqui acaba sendo um pouco da família.

*Publicado originalmente na Agência Naya e escrito por Marcela Lisboa e Thamyra Thâmara. A foto de capa é de Andressa Núbia. A maquiagem é de Sylvia Vitoriano e os acessórios são da Banga Artesanato. O artigo faz parte da comemoração ao Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.

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