Homem indígena de costas, sem camisa e com cicatriz nas costas à mostra, olhando para a floresta.

No Brasil, a vontade de construir um cenário mais democrático e justo para os brasileiros significa, cada vez mais, um perigo real para a vida. Isso porque, de acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), que analisou o período de 2015 a 2019, um ativista foi morto a cada oito dias em solo brasileiro, número que representa 174 vítimas. 

Esse ambiente hostil aumenta drasticamente os riscos quando a causa é direcionada à pauta ambiental. Segundo a pesquisa internacional da ONG Global Witness, o país é o quarto no mundo que mais assassina ativistas que lutam pela preservação do ecossistema e pelos direitos das populações originárias, como os da população índigena. 

Para Franciele Silva, de 24 anos e militante do Greenpeace, esse contexto de risco para quem defende os Direitos Humanos e principalmente a justiça climática passa pelo descaso do Estado em oferecer políticas públicas e estratégias que fortaleçam a pauta ambiental no Brasil. Entre as principais formas de promover essa realidade no país, está a educação sobre os benefícios da preservação do meio ambiente.  

“O Brasil poderia ser protagonista (positivo) em diversos debates sobre direitos humanos e preservação ambiental, pois temos um potencial imenso para isso, mas falta interesse e incentivo do governo atual em fomentar a pauta ambiental para a população. Têm sido tempos bem difíceis para nós ativistas ambientais, mas tenho tentado me fortalecer com redes de apoio, amigas(os) ativistas e outras pessoas que ainda acreditam na causa”, comenta. 

Conforme indica Franciele, a escolha de cuidar do meio ambiente não afasta as prioridades do ser humano. De acordo com ela, a natureza e as pessoas funcionam como um conjunto. Enxergar a luta por essa ótica, significa aumentar os índices de qualidade de vida e bem-estar da população. Além disso, o ativismo climático também observa outras reivindicações estruturais, como o racismo e a desigualdade. 

“Preservação do meio ambiente não significa escolher apenas a natureza ou nós, pois trabalhamos em conjunto. Na verdade, nós humanos dependemos muito mais dela do que ao contrário, mas insistimos em tentar nos colocar como superiores”.

Para Franciele, a luta pela preservação ambiental tem muitas frentes, mas todas elas se conectam umas com as outras. “Quando a gente fala sobre justiça ambiental, também estamos falando sobre racismo estrutural, por exemplo. Então esse tema representa a luta pela minha sobrevivência na terra, de outras pessoas colocadas em situação de vulnerabilidade, e como as nossas vidas (pretas, indígenas e etc) vão ser respeitadas na sociedade em que estamos inseridos”, explica a ativista do Greenpeace.

Recentemente, o Brasil demonstrou o porquê de estar entre as 10 nações que mais matam ativistas no mundo. No dia 5 de junho, reconhecido como o Dia Mundial do Meio Ambiente,  o indigenista (especialista que atua na valorização da população indigena) Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. Após 13 dias de investigações e com a própria ONU e jornais internacionais cobrando explicações a respeito do caso, a Polícia Federal confirmou, no dia 18 de junho, que os corpos encontrados no dia 15 eram mesmo de Dom e Bruno

A situação revela outro ponto importante de segurança pública no Brasil. Segundo os dados de 2021 divulgados pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o país também aparece nos dez países que mais violentam e assassinam jornalistas no mundo. No último ano, os registros apontaram 430 ocorrências. 

Ainda de acordo com Francielle, a não proteção dos ativistas e dos jornalistas é uma ação proposital no país. De acordo com ela, caso fosse de interesse do poder público em resguardar essas vidas seriam elaboradas políticas e estratégias voltadas para a segurança e atuação dos Direitos Humanos e da justiça climática no Brasil. 

“Foi uma grande perda, eles representavam o avanço e a resistência que estávamos conseguindo ter aqui no Brasil. Cada região do país têm suas especificidades e enfrentam diversos desafios para conseguir proteger os povos originários, assim como denunciar os crimes ambientais que afetam diretamente essas pessoas. Se não há proteção e incentivo do Estado (o que está sendo proposital aqui no país), esse processo se torna cada vez mais difícil e perigoso para nós. Isso muitas vezes desmotiva e causa diversas inseguranças, mas sempre vem o pensamento de responsabilidade por aquilo que ninguém (tomadores de decisão) estão se movimentando para mudar. Esse processo de ser protagonista das nossas próprias narrativas e lutas ainda é difícil, mas acreditar e lutar por dias melhores nos torna mais fortes diante de todos esses desafios”, finaliza. 

Também na luta por Direitos Humanos, ou como mesmo define Walter Kumaruara, de 26 anos e natural da reserva extrativista Tapajós-Arapiuns, a garantia de vida, saúde, educação e preservação cultural da população indígena. Para ele, as instituições e organizações que atuam nesta causa sofrem frequentes ataques estruturais com objetivo de enfraquecer suas ações nos territórios violados. 

“É muito difícil falar de Direitos Humanos quando os nossos estão sendo violados e negados diariamente. Direito à vida, saúde, educação é muito precário. Como população indigena, somos um alvo frequente de ações violentas e brutais. Com essa colonização que se teve nesse país, acostumamos aceitar que esses episódios são normais, mas não são. A gente não compartilha do mesmo resguardo de direito como outras populações. É importante lembrar que não queremos mais direitos, regalias ou privilégios, nós só queremos o que está garantido na Constituição Federal”, detalha. 

Walter ainda detalha que as mortes de quem defende a população indígena, quilombolas e as questões relacionadas à preservação da floresta acontecem constantemente, mas não recebem a mesma proporção de casos envolvendo pessoas ou organizações com grande renome. “Nós que estamos aqui, desde os primeiros passos, não conseguimos ter essa repercussão na nossa luta direta, de defesa da vida. Nós estamos morrendo”, desabafa.

Imagem destacada: Global Witness.

Bastidores do FP

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