
Como moradores têm contribuindo no desmonte de fake news em seus territórios
“A fake news é tipo um telefone sem fio, né?”, questiona o barbeiro Pablo Pisoni enquanto finaliza um corte de cabelo no estilo “degradê” em um cliente. Natural de Porto Alegre, Pablo, de 27 anos, é dono de um salão de beleza na Vila Estrutural do Morro Santana, a Barbearia 17. Nesta retomada de atividades após a restrição de estabelecimentos pela prefeitura devido à pandemia do novo coronavírus, a rotina de Pablo e de seus colegas de profissão convive com a circulação constante de informações, inclusive falsas.
Entre um trabalho e outro, as conversas com os clientes carregam novas histórias e notícias. E, muitas vezes, as informações trocadas não possuem fontes verificadas ou passam por algum processo de checagem posterior. Como revela Pablo, a maioria dos conteúdos duvidosos chegam pelas redes sociais ou em aplicativos de mensagem. .
Esse compartilhamento rápido e direto entre pessoas próximas com conteúdos que, em tese, são informativos e reais é uma maneira simples e prática de manter a pessoa atualizada com o que acontece à sua volta, já que a rotina de muitos moradores de periferia não permite um tempo muito hábil para a atualização do que ocorre na sociedade. “Claro, se for algo muito interessante e de interesse comum, nós até procuramos a fonte”, explica o barbeiro.
As consequências da circulação destes materiais focados em desinformação causam impactos diretos no cotidiano real de qualquer cidadão, influenciando na sua construção de realidade e alterando seu poder de decisão. Dentro das periferias e das regiões onde o acesso à internet não ocorre de uma forma ampla, isto é, um acesso limitado e com boa qualidade de serviço, essa comunicação direta que, em tese, facilitaria na tarefa de manter-se atualizado, também funciona como único meio acessível de informação.
Segundo a jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geane Alzamora, o fenômeno não reflete apenas no compartilhamento em massas de desinformações, mas também, na qualidade de vida e na dignidade humana, que são áreas essenciais no debate de políticas públicas eficazes para população.
“Eu encaro as fake news como política pública. Inclusive, é uma questão de saúde pública. As pessoas não têm acesso à internet, mas boa parte desses planos de telefonias oferecem WhatsApp ilimitado. Porém, sem acesso à internet e a plataformas de pesquisas como o Google. O que acontece com isso? As pessoas são refém do que apenas aparece no aplicativo delas. Isso é um problema político”.
Geane ainda ressalta que as políticas públicas deveriam ampliar o serviço de internet, de maneira gratuita e de boa qualidade, para todos os cantos do Brasil. Uma proposta que, segundo essa linha de pensamento, resultaria em uma sociedade mais informada e preparada para lidar com a desinformação em massa. Além de defender a responsabilidade social das empresas privadas que são donas das redes sociais e de plataformas online.
Tá, e aí. Afinal, o que é fake news?
Após receber um grande destaque global nas últimas corridas eleitorais para as disputas presidenciais em diversos países, o termo em inglês fake news [notícias falsas] ganhou uma grande popularização no vocabulário de figuras públicas e da população em geral. A expressão fala sobre as informações e matérias que são falsas e que circulam em grandes proporções na sociedade ou em plataformas digitais, como se elas apresentassem uma verdade ou um fato.
No Brasil, em 2018, o fenômeno de compartilhamento em massa de sites e publicações com informações imprecisas ou mentirosas resultou em uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para tratar especificamente sobre o assunto no ano seguinte. Pela primeira vez, os parlamentares brasileiros discutiram sobre os impactos causados pelas desinformações no debate público e na influência dele nos resultados das eleições e, também, no cotidiano da população.
Para o professor de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel, a palavra “desinformação” é o termo mais apropriado na classificação desse tipo de material, pois o conteúdo é produzido no objetivo de enganar, não de noticiar um fato ou verdade.
“A rigor, não existe notícia falsa, existe notícia errada – jornalistas erram, como qualquer outro profissional. Isso dito, “fake news” se refere a um tipo específico de desinformação que poderíamos chamar de notícias falsificadas. Esse tipo de falsificação é como a de um uniforme de futebol ou bolsa feminina: o falsário tenta fazer o seu produto se passar pelo produto legítimo, imita a aparência dele, mas usa materiais de baixa qualidade”, destaca.
Fake News ainda é um tema atual, cria, se liga!
Segundo o Google Trends, um mecanismo que mostra as principais palavras-chaves e termos pesquisados na plataforma da empresa, a preocupação com notícias falsas ainda é uma constante no cotidiano dos brasileiros em 2020.
Com o início da situação de pandemia do coronavírus e a implementação de políticas públicas no país, em março, a busca pelo termo “fake news” aumentou semanalmente durante o mês.
Reprodução/Google Trends
A primeira semana de março apontava um índice de 40% nas pesquisas. Na segunda semana, 61%. Os números voltaram a crescer na terceira semana com um aumento de 98% e diminuindo na sequência para 81% na última semana do mês.
Com o período das eleições municipais se aproximando, o assunto recebe cada vez mais relevância e a primeira semana de campanha eleitoral ficou marcada por disparo de fake news antigas a respeito da fraude nas urnas eletrônicas.
Beleza, cria! Como combatemos isso?
De acordo com Träsel, a melhor maneira de combater os materiais com conteúdos de desinformação é estabelecendo uma postura cética a respeito de qualquer assunto. Perguntas básicas e essenciais como “qual é a fonte disso?” ou “é fonte é oficial?” são mecanismos chaves para desmascarar notícias falsificadas ou imprecisas.
Para Gustavo Gasparotto, de 24 anos, estudante de Tecnologia da Informação e responsável pela verificação das notícias publicadas no grupo de amigos e familiares, o comportamento auxilia na comunicação responsável com todos. Gustavo explica que, para os mais velhos, é um pouco mais difícil convencer que os conteúdos que eles estão transmitindo são falsos ou imprecisos, já que estão acostumados com a tarefa de “responsável” em determinados assuntos.
Além destes procedimentos, é importante checar as informações e matérias em que agência e sites de checagem exploram a prática do fact checking, um método de apuração e verificação das fontes utilizadas no material jornalístico. O Favela em Pauta listou as principais para auxiliar nesse processo: Agência Lupa, Fake Check, Fato ou Fake? (G1), Truco, Boatos, Comprova, Aos Fatos e E-Farsas.
Reprodução
O Favela em Pauta também participa de um programa de checagem de notícias, fatos e informações que circulam no Brasil, em especial nas regiões periféricas. O “Caiu na rede: é fake?” é um projeto em colaboração com a Agência Lupa e o Voz das Comunidades que tem como objetivo aumentar o alcance da informação precisa no cotidiano dos moradores periféricos. Neste mês o FP também iniciará um projeto de checagem de informação em parceria com o Projeto Comprova e Abraji.