Mobilidade urbana representa as condições produzidas para que as pessoas possam circular entre as diferentes áreas da cidade. Mas será realmente que isso acontece? Em que condições? Gastamos quantas horas no trânsito? Quanto tempo o transporte público demora para chegar? Quantas conduções pegamos para chegarmos ao nosso destino? Conseguimos chegar de transporte público em todas as áreas da nossa cidade?

Quando falamos em mobilidade urbana, logo vem a mente: ônibus, metrô, trem…E quando se trata da mobilidade dentro das favelas, como nos movimentamos? Qual a solução em mobilidade dentro e fora das comunidades? Já parou para pensar nisso, Manguinhos?

O transporte público é precário para a cidade, a oferta de linhas não supre as necessidades da população, não há diversidade e conexão entre os diferentes modais e quando se trata de locomoção nas áreas de favela e periferias, não é difícil constatar as péssimas condições do transporte público, isso quando há ônibus, metrô e trem para o acesso dos moradores e moradoras ao resto da cidade. O que está em discussão é o direito constitucional de ir e vir dos cidadãos mais pobres da cidade, histórica e sistematicamente violado.

Em Manguinhos, uma solução encontrada para suprir as necessidades da população, foi o transporte alternativo, entre eles, o mototáxi. Um transporte alternativo individual, no qual o passageiro têm amplo poder de escolher o local de embarque e desembarque. É semelhante ao táxi mas, em vez de carro, usam a moto. Ficam em pontos estratégicos das comunidades. O preço geralmente é cobrado pelo local de destino, seguindo a tabela da região. Mas não é um transporte exclusivo em nosso país. Na Alemanha, a alternativa surgiu em 1987; na Bolívia, em 1992. O serviço existe desde 1986, e tem origem na cidade de Salvador. Mas não é um consenso. Algumas fontes, sugerem que o mototáxi surgiu no Brasil, no ano de 1995, na cidade de Crateús, no Ceará. A região nordeste foi a pioneira no Brasil. Não há, ao certo, a confirmação ou registros de como surgiu o mototáxi e quem foi seu inventor, mas a história nos relata que surgiu por conta do desemprego e como alternativa de complementação de renda.

Quando percebemos que a própria população cria meios de suprir suas necessidades, entendemos o descaso do Estado com os trabalhadores mais pobres que mais precisa da garantia de seus direitos para viver dignamente. Todos têm o direito à mobilidade urbana. O monitoramento da qualidade dos meios de deslocamento precisa ser melhor estimulado, pois, isso interfere diretamente em tudo que fazemos ou no que deixamos de fazer por conta do serviço precários de mobilidade nas grandes cidades e nos bairros mais empobrecidos. Criar meios alternativos mostra que é possível, sim, pensar uma cidade mais acessível. O caminho é pensar como tornar tais meios legais para garantir a segurança e os direitos dos trabalhadores e dos passageiros.

No Complexo de Manguinhos, zona Norte do Rio de Janeiro, local que reúne cerca de 42 mil moradores e tem em sua composição 14 favelas, existem aproximadamente 20 pontos de mototáxi espalhados pelas comunidades, com 10 a 15 mototaxistas que trabalham em sistema de rodízio. Se fizermos uma conta simples, percebemos que existem no mínimo 200 trabalhadores em todo Complexo. A Associação de Motociclistas do Rio de Janeiro diz que a cidade já tem 4,5 mil mototaxistas e o número está aumentando.

Júlio César no ponto de mototáxi em Manguinhos. (Foto: Renata Dutra)

Júlio César(foto acima) trabalha no mototáxi de Manguinhos há cerca de 8 anos e falou sobre a importância para a comunidade: “É o meio de transporte mais fácil na comunidade, né? Às vezes o táxi não para aqui ou nem o ônibus chega próximo à casa do morador. Facilita também pelo preço baixo e por conseguir entrar em todas as ruas. Sendo que está complicado, as autoridades não nos deixam trabalhar porque dizem que é exercício ilegal da profissão e multam a gente. Querem nos dar multa de 1.900 reais. Sem o mototáxi seria muito difícil para os moradores. Eu amo andar de moto, juntei a fome com a vontade de comer”, diz. A falta de emprego é um tema recorrente e os trabalhadores encontraram uma solução que resolve os problemas de ambas as partes. Assim os moradores e os mototaxistas se ajudam nessa luta diária.

Franklyn Teixeira trabalha na favela do Mandela 2. (Foto: Renata Dutra)

Franklin Teixeira (foto acima) se considera uma pessoa de 1001 utilidades, pois, além de ser mototaxista, também trabalha em diversas áreas, e uma delas é a paixão pela música. Gringo do Pagode, seu nome artístico e como gosta de ser chamado, falou sobre a facilidade de mobilidade que a moto proporciona: “Às vezes as pessoas saem atrasadas, não dá para ficar esperando ônibus, sabe como demora, né? Fora o trânsito que pegam. Também pelo preço ser acessível, acabam preferindo. É bem prático. Se não existisse o mototáxi, a mobilidade seria bem precária ou impossível”, afirma. Sobre a escolha da profissão: “Eu não trabalho só com isso, trabalho bem outras áreas também. Escolhi essa profissão porque gosto de andar de moto. Tirei minha carteira de motorista bem cedo, trabalhei em pizzaria. Gosto da sensação de estar livre, sem trabalhar em um local fechado. Trabalho aqui já tem 5 anos”, finaliza. Não só em Manguinhos, mas em várias partes do Rio de Janeiro, a população enfrenta diariamente uma série de problemas causados pela falta de transporte. Dependendo do local onde moram fica impossível se locomover, pois, não há transporte público que chegue.

O transporte alternativo nos ajuda a suprir as nossas necessidades, mas o Estado também deve fazer o seu papel. Em 2014, o Senado Federal aprovou uma resolução (Lei Complementar nº 84/2014), em concordância com a Lei Federal nº 12.009/2009, que regulamenta o trabalho dos mototaxistas profissionais: o motoboy, o mototaxista e o motovigia. Estes terão que ter idade mínima de 21 anos, o mínimo de dois anos de habilitação na categoria “A” e habilitação em curso especializado. Com o mototáxi amenizamos dois grandes problemas: a falta de emprego, e a falta de transporte. A criação dessa forma de se locomover pela favela, ajudou os dois lados, tanto quem encontra uma alternativa de renda, como quem faz uso para circular pelo local. Como o Estado não cumpre o seu papel, e não garante o direito a mobilidade, a própria população procura meios de resolver a questão.

Segundo a agenda Rio 2017, elaborada pela Casa Fluminense, com o objetivo de contribuir com ideias para a construção de um Rio melhor e mais democrático para todos, entre 2010 e 2020 os trens metropolitanos do Rio, que transportam , em média 620 mil passageiros por dia, receberão R$ 1,2 bilhões de investimentos públicos. A linha 4 do metrô, que liga a zona Sul da capital à Barra da Tijuca, receberá R$ 8,5 bilhões também do Governo do Estado, podendo vir a transportar, no máximo 300 mil passageiros. Se observarmos os valores e a quantidade de passageiros transportados em cada um, já conseguimos perceber com clareza onde está a prioridade do Governo. Investem mais em transportes públicos na área nobre da cidade, e fazem pouco caso da população pobre, que depende desses transportes para irem trabalhar, estudar. Sem os transportes não conseguem cumprir as suas tarefas diárias.

*Matéria feita em parceira com a Casa Fluminense/RJ

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