Faixa estendida pelo coletivo Rocinha Resiste alerta os moradores da região sobre o covid19. (Foto: Divulgação)

As declarações do presidente Jair Bolsonaro em favor da volta ao trabalho diante da pandemia do novo coronavírus fez com que comerciantes e moradores aumentassem as aglomerações em ruas e vielas de comunidades no Rio de Janeiro.

Na favela da Rocinha, zona sul do Rio, cerca de metade dos lojistas decidiu reabrir as portas nas principais vias da comunidade, o Caminho do Boiadeiro e Via Ápia. Alguns outros comerciantes optaram por trabalhar com portas semiabertas ou somente por delivery.

O transporte de passageiros em vans e ônibus também aumentou nos últimos dias, desde o pronunciamento de Bolsonaro na TV, na terça (24), em que o presidente criticou o fechamento de escolas e do comércio.

No início da semana, a circulação de vans na Rocinha tinha sido interrompida. Mas nesta sexta-feira (27) já era possível ver as vans subindo o morro com passageiros sentados e em pé. As linhas de ônibus que atendem a comunidade continuam circulando, ainda que com um número menor de passageiros.

Segundo a Rio Ônibus, o consórcio que atende os moradores está operando com 65% da frota. “O Consórcio Intersul tem empenhado todos os esforços para prestar o serviço que, neste momento, é ainda mais fundamental. E reforça que a saúde de passageiros e rodoviários é a prioridade. Por isso, medidas de segurança estão sendo tomadas nesse momento de pandemia do novo coronavírus”, informou.

Ainda na Rocinha, mototaxistas estão usando máscara de proteção e luvas, enquanto os passageiros evitam usar capacetes oferecidos pelos motoqueiros, com medo de serem contaminados pelo novo coronavírus.

Marcos Antônio, 43, trabalha como mototaxista há 15 anos. Ao final de cada corrida, ele retira uma garrafa de álcool em gel da pochete e oferece ao passageiro na tentativa de reduzir a circulação do vírus. “Isso é o que eu posso fazer pelos meus clientes, que dependem do nosso trabalho para circular no morro com mais rapidez”, diz. “Dando um pouco de álcool em gel já consigo ajudar a combater o vírus, mas o movimento caiu bastante e estou trabalhando mais horas do que o normal”, lamenta.

O movimento de moradores em busca de cestas básicas está crescendo na Rocinha —onde 11% da população vive abaixo da linha da pobreza, segundo dados da Prefeitura do Rio. Durante o dia, era possível ver moradores aglomerados na entrada da associação de moradores da comunidade na espera por doação de alimentos e kits de álcool gel e sabão.

O presidente da associação, Wallace Pereira, fez um apelo para que os moradores não fizessem aglomerações. “Não podemos prometer nada a ninguém já que estamos dependendo de doações externas, das quais a primeira leva será prioritária aos idosos maiores de 65 anos, conforme dito pelas organizações de saúde que são as pessoas que correm maiores riscos de contraírem a Covid-19”, publicou em uma rede social.

No Morro do Borel, na zona norte da cidade, grande parte do comércio continua em funcionamento. Comerciantes aplicam normas de segurança, como atendimento organizado de um cliente por vez, e disponibilizam álcool em gel para higienização das mãos.

O transporte foi um dos serviços que mais sentiram o impacto na quarentena no Borel. Para evitar aglomeração, houve redução no número de mototaxistas, que passou de 70 para 20, trabalhando em regime escalonado. Também ali os mototaxistas adotaram o uso de máscaras cirúrgicas e luvas numa tentativa de proteção —mesmo sem a recomendação do uso pelos órgãos de saúde para quem não está infectado.

Com o movimento de passageiros bem abaixo do normal, os mototaxistas reclamam de prejuízos e da falta de apoio do poder público. “A minha moto e a moto de outros aqui [ponto do Borel] é financiada. Seria interessante o banco fazer um acordo com quem está na mesma situação que eu. As parcelas não vão parar, mas cadê o dinheiro?”, questiona Antônio Carlos de Jesus, 38. “O governo precisa nos ajudar.”

Para Joana Carla Barreto, 38, dona de uma oficina mecânica e grávida de nove meses, a baixa circulação de mototaxistas na comunidade implica diretamente no orçamento do negócio e da família. “Eu e meu marido estamos muito preocupados com essa queda de atendimento. Como as motos não estão funcionando na rua, não tem motivo para consertar nada. E como a gente fica?”, pergunta.

Na quinta (26), a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que prevê o pagamento de auxílio emergencial trabalhadores informais afetados pela crise do coronavírus. O valor, de R$ 600 (R$ 1.200 em caso de mães chefes de família) serão pagos por três meses. O texto vai agora ao Senado.

Colaborou Igor Soares, do Morro do Borel


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