(divulgação/Terreiro das Salinas)

Mesmo sendo minoria, adeptos do Candomblé, Umbanda, Jurema e outras religiões de matriz afro-brasileira e indígena são o maior alvo de violência religiosa no Brasil.

Ao mesmo tempo em que os fiéis de religiões afro-brasileiras e indígenas somam 2% da população brasileira, segundo o Datafolha, eles são os que mais sofrem violência religiosa no país. Através de dados mais recentes do Disque 100, os casos registrados de casos de intolerância e terror religioso para os adeptos do candomblé, umbanda e demais religiões de matriz afro-brasileira e indígena aumentaram 59% em 2019. O balanço de 2020 ainda não foi publicado.

Em Pernambuco, o sacerdote e filhos do Ilê Axé Ayabá Omi, localizado em São José da Coroa Grande, litoral sul do estado, começaram o ano tendo seu local de fé quase completamente depredado. Mais de 90% do espaço da casa de Axé foi incendiada.

Tendo se instalado em Abreu do Una há 2 anos e liderado pelo babalorixá Lívio Martins, o Terreiro das Salinas – como também é conhecido, também exercia alguns projetos sociais com a comunidade além das atividades religiosas. Com o reforço escolar, distribuição de sopa e também de auxílio alimentação pela Campanha Tem Gente Com Fome, através da Articulação Negra de Pernambuco e Coalizão Negra Por Direitos, a relação com a comunidade do entorno estava sendo consolidada harmoniosamente.

Entretanto, a casa e seus membros não deixaram de ser alvo de desrespeito, ofensas e provocações. Desde o início das atividades religiosas, o Terreiro das Salinas recebeu a visita da Polícia Militar por denúncias de violação da Lei do Silêncio algumas vezes, sendo a última em agosto de 2021. Em todas elas, o pai de santo e seus filhos buscaram reorganizações internas para cumprir a legislação corretamente e seguir com as atividades. Mesmo assim, no dia 01 de janeiro de 2022, eles foram surpreendidos com a informação do incêndio de seu local sagrado.

O Projeto Oxé, uma parceria da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Gabinete de Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop)  e da Articulação Negra de Pernambuco, foi acionado para fazer o acompanhamento jurídico e psicossocial do caso. Um boletim de ocorrência na Delegacia de São José da Coroa Grande e o pedido de investigação ao Ministério Público de Pernambuco já foram encaminhados.

Combate à Intolerância Religiosa

Em 21 de janeiro é  instituído o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, uma marca da memória de Mãe Gilda de Ogum, Iyalorixá baiana que há 22 anos sofreu um ataque cardíaco fulminante ao ver sua imagem sendo veiculada junto a informações falsas e desrespeitosas sobre sua religião no jornal da Igreja Universal do Reino de Deus. Antes disso, seu terreiro já tinha sido invadido e depredado, além dela e seu marido também terem sido agredidos violentamente por integrantes dessa mesma igreja. Esse ano, a data completa 15 anos desde que foi sancionada por lei federal, mas o fiéis da religião seguem em alerta contra as violências simbólicas e objetivas que são alvo cotidianamente.

(Reprodução/Folha Universal)

Desde 2011, o Disque 100, hoje ligado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, contabiliza e dá encaminhamentos para denúncias de intolerância religiosa no país. Embora os dados de 2020 ainda não tenham sido publicados, o sentimento geral dos fiéis de religião afro-brasileiras e indígenas é de que o desrespeito e ódio religioso só aumentou desde o início da gestão do Presidente Jair Bolsonaro. Como já informado anteriormente, entre 2018 e 2019, houve um aumento de mais de 50% na quantidade de casos notificados de intolerância religiosa contra essa população.

Confira a nota do Terreiro das Salinas

Na manhã do último sábado, dia 01 de janeiro, fomos surpreendidos com a notícia que nosso Ilê Axé Ayabá Omi, o Terreiro das Salinas, de tradição Jeje-nagô, fundado há 2 anos pelo babalorixá Lívio Martins, no litoral sul de Pernambuco, em São José da Coroa Grande estava sendo incendiado.

Não é de hoje que os terreiros das religiões de matriz africana, afro-brasileira e afro-indígena tem sido alvo constante das violências, intolerâncias e racismo religioso que tenta impedir a realização de nossos rituais, da adoração aos nossos orixás e entidades sagradas. No entanto, ver a nossa casa de axé, nosso local sagrado, onde depositamos nossa fé, onde construímos cada canto com nosso suor e devoção em chamas é violento e perturbador. Anteriormente, já tivemos nossos rituais interrompidos em três ocasiões, mas situações que acreditamos contornar, inclusive pela incidência que temos com a comunidade, a partir da distribuição semanal de sopa, do reforço escolar gratuito às crianças e entrega de cestas básicas da Campanha Tem Gente Com Fome, da Coalizão Negra por Direitos.

No primeiro dia do ano, em que é tido como o Dia Universal da Paz, fomos violentados, tivemos nosso direito à fé interrompido, fomos vítimas de forma brutal do racismo religioso.
Muitas questões passam pela nossa cabeça, no entanto, sabemos que nosso sagrado habita em nós, que a espiritualidade está ao nosso lado. Os igbas, os taças são representatividade de tudo que acreditamos, e o que aconteceu foi uma tentativa de apagamento, de silenciamento e opressão, mas que não nos impedirá de continuar a cultuar nosso sagrado.

Os procedimentos jurídicos e legais estão sendo tomados com apoio do Projeto Oxé – atendimento jurídico e psicossocial contra o racismo. Na manhã desta segunda-feira (03), fizemos a abertura no Boletim de Ocorrência na Delegacia de São José da Coroa Grande, onde aguardamos a conclusão do inquérito policial. Também demos entrada num pedido de investigação ao Ministério Público de Pernambuco.

Ainda estamos muito abalados com tudo isso, mas seguiremos informando a todas e todos através das nossas redes sociais.

Ilê Axé Ayabá Omi – Terreiro das Salinas
São José da Coroa Grande – PE


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