Não existe investigação sobre a procedência das “piscinas suspeitas da Maré” que ilustraram a capa do jornal carioca Meia Hora no último domingo (21.01). Ou seja, a suposição feita pelo jornal com base em uma foto antiga que ninguém sabe a autoria – de que o “tráfico teria colocado área de lazer para crianças no meio da rua na Nova Holanda” – é, além de irresponsável, sem embasamento em investigações policiais.

“Naturalmente houve apuração”, disse o editor-chefe do Meia Hora, Henrique Freitas, ao Favela em Pauta, sobre a capa do Jornal. Ele afirmou ainda que “a denúncia está sendo investigada por autoridades policiais”. Mas não é o que diz a Polícia Civil. Em nota enviada ao Favela em Pauta, o órgão diz que “os agentes da Unidade tomaram conhecimento dessa denúncia pela imprensa e partir daí, irão iniciar as investigações para saber se estas informações são fidedignas”. Isso significa que embora haja denúncia, a investigação ainda não começou.

Fato novo?

A fotografia foi publicada pela primeira vez na página Favela Nova Holanda e não é recente (é de quando?). O Favela em Pauta não localizou a autoria da foto, e parece que o Meia Hora também não, já que não dá o crédito da imagem. E nem a polícia, já que a investigação sobre o fato ainda não começou.

Os administradores da página comentaram o episódio de racismo e preconceito de classe difundido nas redes sociais. “Os jornais que publicaram este tipo de matéria poderiam pelo menos tentar se aprofundar mais sobre a determinada informação que passa ao seu público, pois é verídico que as piscinas foram compradas pelos moradores da nossa comunidade”, postaram.

Edição dominical do Meia Hora, publicada no dia 21/01/2018.

A capa gerou uma onda de críticas de moradores de favelas sobre como a imprensa tradicional retrata a vida de milhões de pessoas que vivem nestas áreas.

O morador da Nova Holanda, Dieggo Lira, contestou a manchete do jornal em um post na página Maré Vive. “Essa segunda piscina é lá de casa e não teve R$ 1 real do tráfico, esses merdas tem que superar a frustração de que um pobre não pode ter piscina. Vai ter piscina sim e se falar muito eu compro um mini tobogã”, ironizou Lira.

A capa do Jornal foi replicada em matéria online do jornal O Dia, do mesmo grupo. Diante da repercussão negativa a matéria foi editada e a o nome do repórter que assinava o texto, retirado.

Henrique Freitas foi questionado ainda sobre a falta de falas de moradores da Maré na matéria. Ele se limitou a dizer que moradores foram procurados para comentar a denúncia, mas não autorizaram suas declarações por medo de retaliação. “Na edição de hoje há uma série de declarações também colhidas nas redes sociais de moradores favoráveis às piscinas. E, da mesma maneira que foi feito na edição de domingo, suas identidades estão protegidas”, concluiu.

Apesar da dificuldade que o editor diz ter enfrentado para encontrar moradores dispostos a falar, muitos se pronunciaram nos posts do jornal e se juntaram para organziar um “Piscinaço no Meia Hora”, marcado para o próximo domingo (28), entre 11h e 18h, na Lapa, como uma forma de repúdio à capa do Meia Hora. Os manifestantes prometem montar piscinas de plástico em frente a sede do jornal.

Responsabilidade da Imprensa

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) tem também a função de apurar denúncias quanto a erros e equívocos cometidos na prática profissional. Sobre os questionamentos sobre o Meia Hora, o SJPMRJ disse que a diretoria “entrou em contato com o jornal Meia Hora, que nega ter havido erro de apuração. Segundo a direção do veículo, a matéria foi baseada em denúncia que está sendo apurada na 21ª DP. O jornal também alega ter colocado, na matéria, depoimentos dos próprios moradores publicados nas redes sociais. Além disso, o repórter do Meia Hora não faz qualquer afirmação na reportagem, sempre utilizando o verbo no infinitivo”.

O Grupo Ejesa (Empresa Jornalística Econômico S.A.) é proprietário do jornal Meia Hora e O Dia. Conhecido por ser um tablóide policialesco, o Meia Hora tem um setor de apuração e filtra informações do O Dia. Há uns anos o jornal tinha um caderno chamado Comunidades no qual era dedicado a publicar matérias positivas sobre favelas, e que acabou durante uma crise que quase fechou o jornal. Menos de 30% do Grupo Ejesa são detidos pelo grupo português Ongoing, limite constitucional para a participação estrangeira no capital das companhias brasileiras de comunicação.

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