Foto: Daniel Lima/Divulgação
Foto: Daniel Lima/Divulgação

Em uma nação rica em cultura e diversidade de povos como o Brasil, a importância da promoção de debates e ideias a respeito da temática racial é fundamental na construção de um país democrático, inclusivo e antirracista. É o que indica a pesquisadora Gevanilda Santos, através do estudo “Relações raciais e desigualdade no Brasil, 2009”. O trabalho aponta o indicador que atuou como um mecanismo de opressão e preconceito de “hierarquia e subalternização” de algumas etnias, como a negra e a indígena: o racismo presente na nossa sociedade.

Recentemente, no dia 28 de agosto deste ano, o tradicional debate entre os que disputam à cadeira de Presidente da República Federativa do Brasil não contou com nenhum candidato autodeclarado negro ou índigena, de acordo com a plataforma de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do Tribunal

O reflexo desta composição branca entre possíveis governantes afastou, durante a programação – que durou cerca de três horas, de questionamentos sobre raça no plano de governo e nas políticas públicas essenciais (economia, educação, saúde, acessibilidade e etc.) em um país que possui 54% de negros e 1,1% de indígenas (IBGE). 

Além disso, na bancada de entrevistadores que participaram da programação, que durou cerca de três horas e teve a organização feita pela Rede Bandeirantes, em parceria com UOL, Folha de São Paulo e TV Cultura, não houve a escolha de pessoas destas etnias, que também compõem a classe de jornalistas brasileiros. Segundo a pesquisa Perfil Racial da Imprensa Brasileira, 20% das redações brasileiras são compostas por autodeclarados negros e, apenas 0,20%, por indígenas

Para o pesquisador, advogado e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Estudo da História e Cultura Afrobrasileira, Domingos Oscar Soares Luz, de 46 anos, essa ausência de negros e indígenas demonstra um modelo de “apartheid político, social e financeiro” entre as etnias e uma falsa luta pela representatividade no Brasil.

“Toda eleição é a mesma coisa, políticos utilizam pessoas negras em suas campanhas, falam em inclusão, mas quando vão compor seus gabinetes, secretarias ou ministérios, a representatividade é quase zero! Hoje existe cotas para mulheres, negros e índios nos partidos políticos para as eleições, mas o que se vê é um grande “engodo”, eis que são colocados lá para preenchimento de vagas e pré-requisitos para que partidos políticos possam receber o Fundo eleitoral. que é bilionário”, comenta. 

Domingos, que também é um dos integrantes da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Rio Grande do Sul (CVEN/RS), define essa estratégia como manutenção de uma política feudal no país, onde as pessoas de origem e etnia “nobres e privilegiadas” se mantém nos espaços e cargos de decisão pública.

Ele ainda aponta que o caminho para a reformulação desta sociedade atual, que considera machista, racista, classista e homofóbica, passa por uma estratégia de “justiça restaurativa” e não reparativa, como a atual. 

“Como bem sabemos parte da “história” foi destruída por Ruy Barbosa e a parte da história que existe é maculada. Tanto que quando se fala em cotas raciais, quase todo mundo tem ‘opiniões’ sobre esta política reparativa, mas quando se fala em cotas em colégio militar, cotas da ‘lei do boi’, ninguém opina.  Iniciativas antirracistas são e sempre serão importantes, mas não podem ser ‘iniciativas de moda’ como aconteceu no ‘caso Floyd’, devem sim serem tratadas com seriedade que merecem, quantos ‘casos Floyd’s’ acontecem por dia no Brasil? Quantos possuem a mesma ‘comoção?’”, indaga.

Caminhos para fortalecer a luta antirracista na política

Nesse rumo de pavimentação de iniciativas e ações antirracistas está o coletivo de vereadoras negras na cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, do qual faz parte Andrielle Prates, de 26 anos.  

Eleita em 2020, ela atua junto à petista Fátima Maria (que representa o registro da candidatura), também Alessandra Garcia, Rhosângela Silvério e Isabel Rodrigues. Juntas, elas trabalham com pautas direcionadas à garantia dos Direitos Humanos dos povos de terreiro, da população LGBTQIAP+ e da juventude negra. 

Andrielle ainda acredita que um mandato coletivo de mulheres negras fornece os meios necessários para possibilitar uma política focada no “de nós, para nós”, pois elas representam uma parcela importante no desenvolvimento da população afrodescendente. 

“Acredito que, para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, um mandato coletivo de mulheres negras representa a potência e a ancestralidade da população negra, que, desde sempre, é a mais afetada pelos ataques à democracia brasileira, à retirada de direitos e afins”, afirma. 

A vereadora acrescenta ainda sobre a importância de usar a construção coletiva para chegar na base do problema e combater o que, de fato, afeta diretamente a existência da população marginalizada da sociedade. “É desta forma que enxergo nossa construção na sociedade. Assim, acredito que representamos uma parcela importante no conjunto de práticas que tornam a sociedade mais justa e democrática”, detalha . 

De acordo com Andrielle, a presença de mulheres negras é essencial na pluralidade e nos caminhos que são necessários para construir uma sociedade com dignidade. Mais que isso, segundo ela, a simples organização de uma luta antirracista já coloca em prática uma mudança positiva no Brasil. 

“Vejo que a própria luta antirracista, por si só, já é uma mudança positiva para o Brasil. O fato de estarmos nos organizando cada vez mais, enquanto povo, reafirma parte desta mudança. Vejo que, num contexto geral, a estrutura social precisa mudar pra galera preta, principalmente, que é a maior lesada, em todos os sentidos. A condição do racismo estrutural engessa as nossas possibilidades de acesso  à direitos básicos e essenciais”. 

A luta também é em defesa dos povos originários do Brasil

Foto:Alberto Araujo/Amazônia Real/Divulgação
Para a construção de um país mais democrático, a presença de mulheres indígenas em cargos de decisões é essencial. Foto:Alberto Araujo/Amazônia Real/Divulgação

Do outro lado do país, mais especificamente no Amazonas, Vanda Witoto, de 35 anos, busca inserir as pautas indígenas no Congresso Nacional. Nas eleições deste ano, a Derequinho  (nome originário), do Clã de Saúva, do Povo Bicudo, é uma das candidatas à Câmara dos Deputados. 

Como Técnica de Enfermagem e liderança local, ela atuou no cuidado da saúde física e mental da população indígena durante  a pandemia do coronavírus no Brasil.

Em reconhecimento pelo trabalho realizado, onde atendeu mais de 700 famílias indígenas, combatendo o surto do covid-19 em sua comunidade, em Manaus, Vanda foi a 1° profissional de saúde a receber a vacina contra covid-19 no estado do Amazonas, no dia 18 de janeiro de 2021. 

Para ela, essa iniciativa também entra nos termos de luta antirracistas, que muitas vezes só direcionam esse termo para as causas negras, o que ela considera um grande equívoco. 

“Quando falamos de luta antirracista os nossos povos indígenas eles ainda estão fora dessa discussão, são deixados de lado, né!? Contudo, infelizmente, isso é um reflexo do apagamento cultural que vivenciamos. As violências que nós vivenciamos ela se dá também de uma perspectiva histórica. Dos povos indígenas. Então nossa luta por direitos fundamentais ela também nos atravessa enquanto indígena. Nós precisamos ampliar e pautar em todos os espaços essa discussão, né? Pra que a população indígena também ganhe essa visibilidade nessa discussão de luta antirracista”, expõe. 

Para ela, esses quatro anos de gestão do governo Bolsonaro foram os mais difíceis para a população indígena, isso porque qualquer ataque aos territórios e suas terras representa ataque direto contra  as vidas dos povos originários. “Quando você ataca os territórios indígenas, ataca diretamente a vida dos nossos. Nossa cultura, nosso modo de viver. Basicamente, esses quatro anos foram essa política genocida direcionado para os nossos povos”, denuncia. 

Contudo, Vanda almeja um cargo de decisão para reverter esse quadro de negligências e necropolítica que afeta a população nativa do Brasil. 

“Sim, nós temos um desafio gigantesco. Mas nós estamos preparadas. As mulheres indígenas estão prontas para construir as políticas que foram enfraquecidas por esse governo. Nós lutaremos pela Amazônia de pé, por políticas públicas que garantam o bem-estar de todos e construção de escolas e hospitais dignos, para que não falte conhecimento e nem que ninguém morra por falta de estruturas”, detalha. 

A produção deste material faz parte da campanha #CompartilheInformação #CompartilhaDemocracia, uma iniciativa do Artigo 19, do Perifa Connection, da qual o Favela em Pauta faz parte.

Imagem destacada: Daniel Lima/Divulgação | Edição: Renato Silva

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