Para contrapor o senso comum de que na favela só há violência e bandidos e criar uma narrativa a partir de uma perspectiva não habitual, utilizei o conhecimento adquirido na troca construtiva com a Escola de Dados para, inicialmente, constatar quantos jovens mareenses frequentavam a universidade pública. O acesso à universidade continua sendo uma barreira para jovens de territórios populares e é fundamental entender os avanços e os desafios desse problema. Diversas barreiras foram encontradas ao longo da minha busca e relato aqui os vários fatores que mudaram o ângulo da minha pesquisa. Por fim, meu trabalho se concentrou no desempenho das escolas que atendem aos moradores da Maré no Enem 2014.

De acordo com a apresentação coletiva do INEP, houveram 6.193.565 inscritos presentes. 34,9% eram da região sudeste – aproximadamente 2.161.554 participantes. Os alunos das escolas analisadas equivalem a aproximadamente 0,02% dos participantes desta região, 616 inscritos presentes.

Em uma certa ocasião fui questionada sobre a capacidade dos moradores de favelas em mudar o mundo. Respondi prontamente que somos todos os dias treinados para enfrentar dificuldades e se alguém estivesse melhor condicionado para mudar o mundo seriam os favelados.

O contexto de escolas nas favelas e seu entorno é completamente diferente: aulas são interrompidas por operações policiais, conflitos de facções, falta de infra estrutura, de professores, de investimento. Porém, nem mesmo as situações adversas impedem este público de transpor as adversidades. É interessante notar o desempenho superior dos inscritos analisados ao desempenho geral. Contrapondo o senso comum de que as escolas localizadas próximas às favelas têm mau rendimento, ou mesmo seus alunos não são capazes de aprender. Os dados mostram o quanto o preconceito enraizado sobre a favela está totalmente fora da verdadeira realidade.

Moro na Maré, tenho 21 anos, estudo na Universidade Federal do Rio de Janeiro no curso de Ciência da Computação. Sou negra, sou jovem e vivo com o risco iminente de ser achada por um projétil que, infelizmente, tem endereço, tem bairro, tem cor e nunca foi perdido. Pois é, disse que tem bairro? Isso, ao menos somos reconhecidos como tal.

Há muito tempo sinto na pele o poder que os dados têm. (Já contei minha experiência aqui!). Foi difícil resistir quando não conhecia uma das principais armas do opressor – a informação. Nesse processo de trabalho no Data Labe, descobri o quanto é importante o jornalismo de dados e o quanto algumas informações deveriam ser acessíveis a todos.

Uma jovem moradora da Maré, negra, filha de um autônomo e uma dona de casa no qual ambos sequer concluíram o ensino fundamental, com duas irmãs uma mestre em educação pela UFRJ e a outra Bacharel e Licenciada em Educação Física também pela UFRJ. Cursar Ciência da Computação não deveria ser excepcional, mas com a luta diária estamos mudando a história.

Abaixo está o desempenho por escola.

 

Mas por que trabalhar com dados do Enem?

O Enem é o maior exame do Brasil e é utilizado desde 1998 para avaliar a qualidade do ensino médio. Sua segunda versão foi iniciada em 2009, quando houve aumento no número de questões (de 63 questões em um único dia para 180 em dois dias de prova) e passou a servir como certificação de conclusão do Ensino Médio, substituindo o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

O Enem que já era utilizado para a obtenção de bolsas de estudos (integral ou parcial) em universidades privadas através do ProUni (Programa Universidade para Todos) e para obtenção de financiamento através do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), alargou seu alcance a partir das mudanças. O novo modelo em vigor tem o intuito de unificar o concurso vestibular das universidades federais brasileiras. Através do SiSU (Sistema de Seleção Unificada) os alunos que fizeram a prova do Enem podem se inscrever para as vagas disponíveis em qualquer universidade federal de todo país. Além disso, a nota no exame é critério de seleção no programa Ciência sem Fronteiras, no qual são oferecidas bolsas de intercâmbio em instituições estrangeiras para estudantes das áreas de engenharia, tecnologia, biologia e meio ambiente. Para poder concorrer, o estudante precisa ter atingido pelo menos 600 pontos na prova do Enem.

Portanto, os dados do Exame Nacional do Ensino Médio mostrou-se uma ferramenta interessante para mapear informações sobre o acesso ao Ensino Superior por jovens oriundos do Complexo da Maré e de seu entorno. Com a análise podemos visualizar o interesse de certificação pelo INEP, em quais séries do Ensino Médio os alunos mais se interessam fazer o Enem, a quantidade de pessoas na idade ideal para o Ensino Médio e as médias em todas as competências realizadas.

*Publicado originalmente no DataLabe

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