O mineiro de 27 anos tem chamado atenção pela internet ao dedicar suas fotografias à exaltação da beleza negra e periférica. 

A primeira vez que perguntaram ao Rafael Freire qual era o seu sonho, o jovem, que tinha 20 anos na época, pensou que a pergunta se referia ao doce vendido em padarias. Como ninguém havia questionado algo do gênero antes, Rafael nunca tinha pensado nas possibilidades que poderiam existir. No entanto, o mineiro, que é cria do Aglomerado da Serra, tinha certeza de uma coisa: ele gostava de fotografar, mesmo sendo “um sonho caro”, como ele afirma. 

O primeiro contato com a fotografia veio de uma “herança de irmãos”

Nascido e criado na maior favela de Minas Gerais, Rafael Freire vive com as suas três irmãs, seu padrasto e a sua mãe. Aos 17 anos, teve seu primeiro contato com a fotografia e, por mais clichê que soe, foi onde tudo mudou, já que as lentes o ajudaram a driblar momentos difíceis. “O amor pela foto veio quando tive depressão. Usava a câmera da minha irmã, Izabella, e fiquei por volta de um ano fotografando formigas e a natureza, mas tive que abandonar o hobby depois que a câmera quebrou. Voltei a fotografar, depois de longos anos, porque alguém acreditou em mim.” o artista relembra, com gratidão, o momento em que uma amiga resolveu apostar em seu sonho e fez uma proposta para facilitar a compra de uma nova câmera. “Ela comprou uma câmera e fez em várias parcelas para que eu tivesse condições de pagar.” 

Hoje, com 27 anos, Rafael atua como fotógrafo e modelo. Mas, antes de conquistar essa posição, foi monitor em uma escola municipal da sua região, onde pôde ter mais contato com a sua própria comunidade e, a partir daí, o desejo de enaltecer a beleza negra e da favela, tornou-se realidade. “Tentava reproduzir meus sonhos em fotos, poesias visuais, e, principalmente, poder enaltecer a beleza dos moradores da favela. Uma vez, uma aluna escreveu que não existia flor na favela. Desse comentário, nasceu o projeto ‘Favela, a flor que se aglomera’, onde eu busco valorizar a beleza das pessoas da comunidade onde eu moro.” 

Menino Freire: o fotógrafo da favela – mas não apenas de favela

Um de seus projetos, o “Gritaram-me negra”, foi essencial para o seu autorreconhecimento como homem negro. “Esse foi o meu primeiro projeto. Fiz uma releitura fotográfica da música da Victoria Santa Cruz e, durante quatro anos, trabalhei  a questão da valorização do cabelo e a aceitação. Nesse processo, foi onde me descobri como negro, tive reconhecimento do meu lugar e reconheci da onde pertenço.”

Pelas redes, o fotógrafo é conhecido pelos seus ensaios voltados para a população negra, além da criação de filtros no Instagram que não clareiam os tons de pele mais escuros e nem afinam os traços. Mas, no ambiente virtual, Rafael também é reconhecido como o “Menino Freire”, nome artístico que adquiriu com o passar dos anos. “Durante o período depressivo, eu andava com a “vida triste”. Então comecei a escrever poesias que foram consideradas tristes. Minha família e meus amigos falavam que eu escrevia “coisas de menino”, já que eram poesias e textos sobre amor. Como as pessoas me viam como um menino, me auto-intitulei como o “Menino Freire’.

Apesar do retorno positivo que tem recebido, o Menino Freire aponta a dificuldade que vem sofrendo no ramo profissional por ser caracterizado apenas como um fotógrafo de favela.  “Eu gosto do nome (fotógrafo da favela), mas não gosto do peso do nome, se é que me entende. É pesado meu sonho ser referência nisso”, afirma. “Não sou reconhecido como fotógrafo profissional. Uma vez, ao realizar um trabalho, o cliente questionou o preço. E ainda disse que o valor deveria ser mais barato, já que eu moro na favela, então, na verdade,  não devia nem cobrar.” 

Rafael ainda relembra que, infelizmente, o racismo também está presente no dia a dia da profissão. “Uma vez fui trabalhar em um salão de festa em uma parte mais rica da região, inclusive, contratei mais três fotógrafos para trabalhar junto comigo. Quando realizei uma pausa e estava organizando os materiais, um dos garçons me chamou para que eu pudesse comer algo, bem no cantinho mesmo, porque já tinha mais de quatro horas que estava trabalhando. Eu não tinha nem encostado na comida ainda quando alguns convidados perguntaram se eu só iria ficar comendo ao invés de servir.”

Dar créditos aos sonhos de outros jovens favelados

Durante toda a sua trajetória, Rafael contou com o apoio de algumas pessoas para que o passo a passo dos seus sonhos pudesse ser realizado. Quando, por exemplo, uma noiva se comoveu pela história do rapaz e ofereceu o dinheiro que guardava para o seu casamento a Rafael, para que ele pudesse comprar uma câmera nova. “Como forma de gratidão, fotografei o casamento dela. Nos falamos até hoje e foi ótimo realizar as fotos do casamento dela.”

Falando sobre futuro, o “menino”, como gosta de ser chamado, tem algumas perspectivas:  “Pretendo viver do meu projeto e levá-lo para outras comunidades. Espero conseguir fazer quadros com as fotos, vender e poder compartilhar a renda do quadro com modelo. Além de fazer com que as crianças e pessoas da comunidade consigam gerar a própria renda vivendo da fotografia, como modelos, por exemplo. Já descobri mais de cem modelos durante esse tempo e gostaria que todos pudessem fazer parte de alguma agência, sabe? Onde eles possam ter condição de viver disso (modelar)… meu sonho abrir minha própria agência”

*Foto destacada por: Arquivo Pessoal Rafael Freire

Bastidores do FP

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