No Recife, o Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças foi marcado por ação de ONG em comunidade da zona sul

Um levantamento feito pelo Instituto Liberta com colaboração de organizações da sociedade civil revela que por ano existam cerca de 500 mil casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Um estudo da Childhood Brasil de 2019 apontou que apenas 10% dos casos são notificados às autoridades. No ranking mundial, o Brasil está no segundo lugar em casos de abuso e exploração de menores. Desses casos, 75% das vítimas são meninas e adolescentes negras que vem de regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Levando em consideração que esse Índice mede o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos habitantes (saúde, mobilidade, lazer e educação são alguns dos pontos analisados), as favelas e periferias, territórios historicamente vulnerabilizados, compreendem parte significativa desses casos.  

Em Recife, o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) está realizando um projeto piloto para a proposição de ações e soluções sobre essas violências. Com apoio financeiro das organizações internacionais Freedom Fund e Kindernothilfe, a ong planejou uma série de ações, afim de diminuir os impactos causados por essas ações, que tanto vem aumentando durante a pandemia. “Esse é um trabalho de busca ativa de famílias nessa situação de exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA).  A gente está fazendo contato com várias organizações de todas as ordens: escolas, coletivos feministas, igrejas, maracatus, Cras para levantar esses dados”, conta Manuela Soller. Segundo a advogada, esse é um trabalho muito delicado por conta do caráter velado em que esses crimes acontecem.

A região escolhida pelo projeto Teia de Proteção foi a comunidade do Bode, no bairro do Pina, zona sul do Recife. Embora seja vizinho de Boa Viagem, o metro quadrado mais caro da capital pernambucana, estima-se que 97% da população do local é muito pobre e há 600 pessoas vivendo em palafitas, cobertas por lona e lata. De acordo com pesquisa da UFPE e do coletivo Pão e Tinta, 87% destas moradias não têm sequer água encanada e saneamento básico. Todas essas são condições que se agravam em meio à crise sanitária causada pela pandemia do Coronavírus. Desde março de 2020, muitas das famílias perderam os empregos, alguns homens e mulheres responsáveis por gerir suas casas morreram, e a situação de pobreza alastrou, fatores que contribuem para o aumento do tráfico de pessoas e situações de exploração sexual.

Registro da realização das oficinas. Foto: Alcione Ferreira/Cendhec

Portanto, nesta quarta (23), Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças, foi marcada pela realização de oficinas com adolescentes sobre o assunto. O intuito da organização é de prevenir, identificar e combater essa realidade nas periferias, populações que são vulnerabilizadas em diferentes níveis. Além dessas oficinas, durante a semana foram distribuídas cestas básicas, kits pedagógicos  e de higiene para as famílias da comunidade. Mulheres mães solos foram priorizadas.

“As entregas de cestas básicas também são feitas de forma emergencial. Sabemos que não é isso que vai resolver o problema, mas sana de forma momentânea. A fome é um dos principais indicadores de vulnerabilidade, sabemos que muitas famílias acabam passando por este tipo de violência por situação de necessidade, fazem como forma de sobrevivência. Esperamos que este seja um momento de promover dignidade a estas famílias, principalmente para meninas e mulheres”, comenta Mona Mirella, coordenadora do projeto.

Confira alguns depoimentos sobre a realização das oficinas

Através da oficina acerca do tema da exploração sexual de crianças e adolescentes foi importante perceber a fala dos adolescentes acerca do que eles entendem sobre o tema e o quanto eles identificam na comunidade alguns atores que protagonizam o cuidado e que situações de exploração sexual são presentes em seu cotidiano. Nos chamou atenção os depoimentos de assédio tão próximos a eles e cenários de exploração no território, por se tratar de uma área de praia, o que facilita as situações de exploração.

Patrícia Saraiva – Assistente social (Cendhec)
Foto: Alcione Ferreira/Cendhec

“Já escutei muita coisa. “Você é muito bonita”, “tem o maior corpão”, “já está na hora de namorar”. Eu fiquei muito triste. Isso mostra que palavras podem ser violentas também”, disse uma das adolescentes. “Me perguntaram se eu fazia programa. Liguei desesperada para a minha mãe na mesma hora.”

Maria da Silva (nome fictício) , 15 anos – participante da oficina
Foto: Alcione Ferreira/Cendhec

A sensibilização dos adolescentes sobre a exploração sexual apresenta pontos fundamentais sobre a vivência da comunidade no que diz respeito a naturalização da violência. Foi possível ouvir quanto a experiência da violência faz parte do cotidiano dos jovens e o quanto eles carregam potência para serem agentes de mudança e proteção. Percebemos a implicação e a sensibilização dos participantes quanto aos aspectos estruturantes das dinâmicas de violência e a importância da autonomia ao falarem da própria experiência.

Luana Cruz – Psicóloga (Cendhec)
Foto: Alcione Ferreira/Cendhec

Foto destacada: acervo pessoal

Bastidores do FP

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