Remoções em Realengo: irresponsabilidade social marca a construção do tão sonhado Parque Verde Comentários desativados em Remoções em Realengo: irresponsabilidade social marca a construção do tão sonhado Parque Verde 1647

Famílias juntando sucata dos escombros demolidos, tentando salvar algo de valor nos destroços do que foi construído com muito esforço. Essa foi a cena que tomou conta da Comunidade do Ideal, em Realengo, na tarde do dia 6 de dezembro de 2022.

Durante a manhã, a Secretaria de Ordem Pública e a Guarda Municipal surpreenderam a comunidade ao chegarem acompanhadas de retroescavadeiras para demolição imediata de mais de 40 estabelecimentos, deixando a população local sob ruínas materiais e psicológicas.

A ação ocorreu sem aviso, fazendo com que trabalhadores tirassem suas coisas às pressas debaixo da chuva. Apesar de terem recebido notificação para desocupação imediata no dia 21/11, os moradores organizaram um abaixo-assinado e estavam em contato com advogados e vereadores para prorrogação do prazo para Janeiro de 2023. 

Após a notificação, seguiram-se duas semanas calmas, o que manteve os comerciantes otimistas sobre a ampliação do prazo de saída. Mas não foi assim que aconteceu. Dezenas de famílias tiveram suas fontes de renda colocadas abaixo bem às vésperas do Natal. 

Cidadãos locais tentam resgatar o que ainda pode ser aproveitado em meio à destruição. Crédito: Roberta Freire.

“Como o pessoal vai levar seu ganha pão para os seus familiares comerem? Comprar roupa de natal para os filhos? Deixou esse prejuízo aí pras famílias, muitas famílias não vão ter natal, não vão ter ano novo”

José Carlos, morador do entorno da comunidade do Ideal, que acompanhou a demolição das lojas próximas ao terreno do Parque.

Diante da realidade de desigualdade, desemprego e pobreza, as lojas da Rua Pedro Gomes surgiram há mais de 30 anos como uma alternativa de trabalho e sustento para as famílias do Ideal. Considerado irregular pela Prefeitura, o comércio cumpria com uma importante função social, gerando renda para as famílias, serviços para a comunidade e fomentando a economia local.

Renata, dona da loja Coração de Mãe, conta que ocupa o espaço onde oferece xerox a R$ 0,30 e impressão à R$1,00 há dois anos, desde o falecimento da mãe. “Minha mãe tava aqui nesse mesmo espaço há 30 anos, minha mãe faleceu trabalhando aqui nesse mesmo lugar que eu to aqui. Tem dois anos que ela faleceu. Eu estou agora aqui pleiteando, o que vai acontecer comigo? O que vai acontecer daqui pra frente se derrubarem as lojas daqui?” 

O questionamento é mais do que pertinente, já que Renata não consegue uma oportunidade no mercado de trabalho. “Quero trabalhar porque eu estou desempregada. Tenho uma certa idade, 47 anos, e as portas tão fechadas. Não só pra mim, mas para 14 milhões de brasileiros que estão fechando portas”. Segundo o IBGE, 9,5 milhões de brasileiros estão desempregados. Em maio deste ano, o Rio de Janeiro foi o terceiro estado com a maior taxa de desemprego do país, com uma taxa de 14,9%, o único do sudeste que ficou acima da média nacional de 11,1%.

Muitos desses trabalhadores acabam recorrendo ao chamado trabalho informal, como é o caso dos comerciantes da comunidade do Ideal. São homens e mulheres que abrem seus próprios negócios para manter o sustento diário e muitas vezes são a única fonte de renda da família.

O mais perverso é que o sofrimento poderia ter sido evitado. O projeto do Parque de Realengo previa uma saída: a execução da obra em fases. Iniciando pela construção de lojas regulamentadas nos entornos com fins à realocação desses comerciantes, seguida pelo translado, para só então prosseguir com a demolição dos estabelecimentos originais. A estratégia foi pensada pela equipe técnica da empresa que pensou o projeto original do Parque.

Renata afirma que a ordem de despejo foi apresentada duas semanas antes da retirada dos moradores e que a prefeitura não apresentou qualquer intenção de cadastrar os comerciantes e realocá-los. “Aí o pessoal com medo, desacreditado, tirou porta tirou tudo. Só notificaram, não falaram nada sobre realocar. A comerciante continua, “nós vamos sair? Vamos sair, mas a gente pediu um prazo porque a obra [do Parque] não vai terminar agora”.

Era possível e desejável evitar prejuízos e traumas para as famílias dos arredores do empreendimento, que só ficará pronto em 2024. Realizar essa obra pública tão sonhada pela população de Realengo sem o mínimo de responsabilidade social é sintoma da falta de vontade política e insensibilidade com que a Prefeitura vem executando projetos de urbanização da cidade, especialmente quando envolvem periferias e favelas.

Roberta Freire é cientista social e pesquisadora formada pela UFRJ, ativista, escritora e cria de Bangu. Integra a equipe da Agenda Realengo 2030.

Fernanda Távora é moradora de Realengo, jornalista formada pela UFRJ e analista de dados. Integra a equipe da Agenda Realengo 2030.

Imagem destacada: Roberta Freire

Matéria anterior

Assine a nossa newsletter