Com o ataque do extremista, mais uma vez se comprova o que diz a pesquisa realizada pelo “Observatórios da Segurança”, que aponta que o racismo faz parte do alvo das balas perdidas no Brasil

Além da cor da pele aumentar a probabilidade de uma pessoa se tornar um alvo de disparos de armas de fogo, o CEP também garante a certeza de ter os seus direitos humanos preservados, mesmo quando a situação representa um grande risco de vida aos agentes de segurança pública que cumprem uma determinação judicial.

No último domingo (23), por exemplo, o ex-deputado “bolsonarista” Roberto Jefferson (PTB) efetuou tiros e arremessou granadas em direção aos agentes que cumpriam o mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e não foi alvejado por nenhum disparo. A ação do ex-deputado feriu dois policiais. Ele estava com a licença de CAC (Caçador, Atirador e Colecionador) suspensa e não poderia ter armas fora de Brasília.

Entretanto, mesmo com a violência gerada pela atitude do bolsonarista, a Polícia Federal não invadiu a residência de Roberto. O apoiador do atual presidente só foi preso após se entregar à PF, depois de 8 horas de uma polêmica negociação, onde o agente responsável pelo diálogo com Jefferson aparece sorrindo para o extremista, após ter dois colegas feridos pelo político de extrema direita.

Vale lembrar que, ao contrário do que veiculam as redes apoiadoras do presidente Bolsonaro, Roberto Jefferson é condenado pelo inquérito que apura atividades de uma organização criminosa envolvida em fake news, que o TSE aponta estar envolvida em atos contra o Estado Democrático de Direito.

No ano passado, o ex-deputado cumpriu prisão em regime fechado, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste do Rio. No entanto, acabou recebendo o benefício de prisão domiciliar por conta de complicações de saúde.

Relatório da Rede de Observatórios de Segurança e os dados que mostram o contraste

Engana-se quem acredita que a música e os assuntos relacionados às questões políticas são como água e óleo, não se misturam. Historicamente, de linhas em linhas artistas compartilham denúncias, percepções e realidades presenciadas no seu cotidiano.  Tais conteúdos trazem à tona a necessidade de compreender que a arte funciona como uma ferramenta potente para expor e dar voz às temáticas essenciais que conectam o combate por condições melhores de vida em determinadas camadas da população. É nesta perspectiva de dignidade humana, que o rapper Emicida descreveu em rimas um cenário temido por 56,10% da população brasileira: a violência policial contra a população negra no Brasil.  

Na música Ismália, do seu último trabalho AmarElo (2019), Emicida versa que “oitenta tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo”, o trecho em questão aborda o assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos, um homem negro que teve o carro fuzilado pelo Exército Brasileiro na cidade do Rio de Janeiro. Episódios classificados como casos isolados por uma parcela da população, mas que, com o último relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, agora são demonstrações de um denominador comum que acompanhou as operações policiais do sudeste ao nordeste do país em 2019.  

A pesquisa “A cor da Violência Policial: a bala não erra o alvo” revela que, sim, a pele é um fator determinante no momento das ações de policiamento dos agentes nos Estados de Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo o estudo, ser uma pessoa com traços afrodescendentes nesses momentos garantem uma preocupação constante com a saúde física e psíquica nas abordagens, pois, de acordo com o estudo, a maioria dos cidadãos mortos por violência policial possuem esse perfil. 

“Minha cor não é uniforme”: a estatística do racismo no dia a dia 

Em números, o relatório apresenta dados cedidos por secretarias estaduais e pedidos via Lei de Acesso à informação. As estatísticas das cinco regiões apontam que os corpos mais alvejados e mortos pelas armas de fogo de policiais são negros. No Rio de Janeiro, a “bala”, que não erra o alvo, matou 1814 pessoas (um recorde nos últimos 30 anos). Deste número, 86% das vítimas são pessoas consideradas negras em um Estado onde 51% da população também é.  Ainda no Sudeste, mas agora em São Paulo, 20% das mortes violentas no Estado são efetuadas por policiais. Nesta mira violenta dos agentes, 64% dos mortos são negros – mesmo com a população considerada afrodescendente seja menor (35%). 

Como explicado anteriormente, a situação de risco das vidas negras em operações policiais não é uma exclusividade de apenas uma região. A Rede de Observatórios da Segurança também acompanhou o cenário do Nordeste, em Estados onde a maioria da população é considerada afrodescendente. Em Pernambuco, por exemplo, nove a cada dez mortos pelos agentes são negros. Na totalidade das estatísticas, 93% das mortes são da etnia afro em uma população de 62%.  

Ainda no Nordeste, no Ceará, 87% dos mortos pela letalidade da polícia são negros em uma população de 67%, mas o índice pode ser maior já que o Estado não notificou a cor em 77% dos casos. Cenário parecido foi constatado na Bahia, que possui a Polícia Militar mais letal do Brasil: 97% dos mortos são pessoas negras, em uma população que possui cerca de 76,5%.  

“Hashtags #PretoNoTopo, bravo!”: do luto se faz luta no Brasil

A cada preto assassinado pela bala achada, mais uma família chora e se perde em meio à sua própria dor no Brasil. O filho de dona Maria, neto de dona Yolanda – mulheres fictícias em texto, mas que representam mães, avós e familiares que precisam tentar adaptar as suas vidas após brusca perda de alguém que amava – estava voltando de moto de um churrasco familiar, brincando na rua com os primos ou em um transporte público com a família. Seja uma criança, um jovem ou um adulto, em cada uma das ações que tornaram as vítimas um “suspeito” tem duas características em comum: o tom de pele e a violência da polícia, apesar de todo cidadão possuir seus direitos durante a abordagem policial.

A cada luto de uma pessoa preta assassinada por violência policial no Brasil surge uma luta incansável contra o racismo estrutural. Manifestações, presenciais ou virtuais com  o uso de hashtags, ajudam a distribuir a dor: cada frase repetida pelos manifestantes é um nó na garganta que se desfaz em tom de desabafo. A verdade é que cada mulher ou homem negro se pergunta todos os dias se o tal engano da bala perdida um dia pode atravessar seu caminho ou de alguém que ela ou ele ama. 

Enquanto as estatísticas apontam para o tom de pele, a saúde mental da população negra segue em corda bamba, principalmente com as inúmeras tentativas de silenciamento que as minorias sociais sofrem diariamente desde a infância. Apesar de ser “na luta que a gente se encontra” o pensamento de “por que isso ainda é uma realidade?”, fica martelando constantemente, e, no final, a pergunta que fica é: até quando as pessoas pretas terão que temer, evitar serem elas mesmas e se podarem para não voar tão perto do sol, porque “eles num guenta te ver livre, imagina te ver rei”?

*O texto é de autoria dos repórteres Ariel Freitas e Dandara Franco

Bastidores do FP

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