Primeiro, eu sempre gosto de lembrar que um corpo negro é um corpo negro, em qualquer lugar. Fugir de ataques racistas é impossível, ainda mais na internet. Quanto mais você se destaca, mais aumenta a possibilidade desses ataques ocorrerem. Ao mesmo tempo algumas pessoas acham que você está em uma posição onde só coisas boas acontecem, mas não é bem assim. Não adianta os números de seguidores nas redes sociais, formação, posição social, se você é preto ou preta, isso sempre vai vir primeiro, porque a gente está falando de uma sociedade racista. 

Eu comecei a produzir conteúdo pra internet no  fim de 2017. Tinha perdido meu pai, estava perto de me formar e queria praticar tudo que havia aprendido na universidade, mais que isso, quis acreditar que uma pessoa igual a mim poderia estar em frente às câmeras. Eu não tinha muitas referências, na  universidade eu não era visto como uma futura promessa (e nós sabemos quais pessoas eram).

Decidi iniciar pelo Youtube, mas quando a gente fala sobre padrão de beleza, não podemos esquecer que as plataformas digitais também seguem esse modelo de padrão. Crescer em uma rede social que primeiro avalia sua imagem, sendo uma pessoa preta, não é tão fácil e rápido assim. Muitas vezes o crescimento nesses espaços não acontece. 

Quando comecei a produzir conteúdo eu não imaginei que pudesse alcançar tantas pessoas. Não achei que tinha capacidade pra isso. Conforme fui ganhando mais seguidores e seguidoras, o retorno ao meu trabalho também foi aumentando, e por um certo período a gente cai nesse lugar de conforto, de receber boas mensagens de quem se agrada com o nosso conteúdo, mas o outro lado não demora a aparecer…

Aos poucos os ataques foram surgindo. Os primeiros fazem com que a gente fique sem um norte, vem como uma paulada. Ao longo do tempo eles vão se tornando mais comuns. Recentemente, em uma publicação que eu fiz recebi o seguinte comentário: “Você deveria ter vergonha de existir”.

Não é só uma questão de crueldade, é o racismo que faz com que não sejamos vistos como humanos. Porque pra eles (branquitude) seria um favor se não existíssemos. 

Na internet também há violências. Simbólicas ou agressivas. Diretas ou indiretas. A possibilidade da criação de perfis fakes traz para essas pessoas uma sensação de segurança, e aí elas se sentem livres para dizer o que querem.

Ter um perfil verificado ou ter certa visibilidade não me blinda desses ataques cruéis. Às vezes é o que fazem de mim um alvo preferencial desses ataques. E por muitas vezes isso tudo cansa. 

Não é mais sobre a qualidade do meu trabalho, ou se gostam ou não dele. É sobre o racismo, tentar, a partir dessas pessoas, que eu sinta vontade de desistir, sobretudo da vida. É ter que lidar com a realidade de ser odiado simplesmente por existir. E ser uma pessoa preta e gorda, é ser o que essa sociedade mais odeia. É quase que imperdoável. E aí as pessoas sentem ainda mais liberdade em ser covardes e cruéis. 

A melhor forma para lidar com tudo isso? Eu realmente queria ter uma receita pra passar. Mas não há. Tudo depende muito de como eu estou no dia, de como esses ataques vão ecoar em mim. Tem dias que ignoro e sigo. Tem dias que os comentários ficam martelando na minha cabeça, me levando a quase um sentimento de culpa. 

Tudo o que eu quero é viver sem sentir que só por existir, isso já incomoda muita gente. Viver sem ter medo de futuros ataques violentos na internet. Mas aí eu lembro do que disse no começo desse texto, “um corpo negro é um corpo negro, em qualquer lugar”. Levando em conta a realidade dessa sociedade, talvez viver 100% livre de qualquer ataque agressivo, racista e gordofóbico não seja possível, ainda que eu esteja inserido em bolhas, que por muitas vezes me traz uma sensação de segurança.

Então o que eu te peço é: não reproduza o que eles fazem, não roube a minha humanidade. Quando pensar em mandar um conteúdo sensível para uma outra pessoa, pergunte primeiro se ela está bem, e se está confortável para ver ou ler o que você quer enviar. Tente sempre diversificar as pessoas que você segue. É importante que sigamos pessoas pretas, gordas, com deficiência. Quantas dessas pessoas são referências pra você? Não me olhe como alguém que está livre de qualquer violência, eu não estou. 

Eu não sou um perfil verificado numa rede social. Eu sou um ser humano.

Bastidores do FP

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