Coletivo de mães do bairro Morro Santana, de Porto Alegre, em ação pela vida digna. Na foto, Letícia, Franciele e Mari

De em esquina em esquina, a coletividade na forma de viver sempre fez parte de qualquer família periférica do Brasil

A chegada da pandemia nas comunidades em Porto Alegre intensificou o descaso e o abandono da gestão municipal com os lares e famílias de cada bairro. Ao mesmo tempo que a mídia local exaltava os decretos do prefeito da cidade que restringiam o funcionamento dos estabelecimento comerciais para evitar a aglomeração em determinados espaços, ocultava as consequências da decisão do mesmo na diminuição do volume da frota de ônibus em horários chaves de quem necessita do transporte público para locomover-se até o trabalho, em sua maioria trabalhadores periféricos. A escolha vindo de quem deveria oferecer meios acessíveis em momentos de crises resultou em paradas e coletivos lotados, mesmo com a lei de lotação vigente na cidade.

Esse desprezo público pelas vidas de origem comunitária tem sido uma atitude habitual no plano de administração da cidade. No início da pandemia, uma dezena de bairros não contava com o abastecimento de água diário. Um direito básico de qualquer cidadão brasileiro é fundamental para a higienização (uma das maneiras mais eficazes no combate do coronavírus). 

Atualmente, a situação ainda ocorre em determinados momentos do dia.  Há algumas semanas, um morador da Lomba do Pinheiro (zona leste) comentou que é quase impossível planejar a rotina e as tarefas essenciais a partir da disponibilidade do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE). Uma violência estruturada na ausência de um direito fundamental dos direitos humanos reconhecido em 2010 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

As consequências da inexistência da responsabilidade do Estado nas periferias demonstram uma qualidade e uma forma de sobrevivência dessas regiões: a coletividade. Em meio a uma pandemia, coletivos, ONG’s e veículos de comunicação comunitária ampliaram suas ações de solidariedade dentro das comunidades. Como é o caso do coletivo Mães das Periferias de Porto Alegre. Formado por Letícia, Franciele e outras mulheres da zona periférica do bairro Morro Santana (zona leste), o grupo fornece itens de higiene pessoal, máscaras e ainda realiza a entrega de refeições nos lares. 

Última ação do coletivo contou com aulas de serigrafia. Foto: Vitor Ramon

Participar do projeto #MapaCoronanasPeriferias é ter a oportunidade de auxiliar na divulgação dessas ações e histórias de solidariedade que acontecem em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, em região periférica. O trabalho essencial realizado pelo Favela em Pauta e o Instituto Marielle Franco amplia a voz de jornalistas comunitários e realiza uma quebra na narrativa compartilhada por veículos de comunicação tradicional, pois a linha tênue entre o narrador e a história/personagem é um espelho: ele se enxerga em cada notícia sobre o seu bairro, cidade, comunidade e povo. E do lado sul do mapa, não seria diferente. 

A minha entrada na segunda fase do programa passa justamente por essa área de conexão e de visibilidade das iniciativas de combate contra o coronavírus nas favelas e periferias do Brasil.  Além disso, possuo a expectativa de contribuir bastante com o pensamento solidário e coletivo que aprendi pelas ruas estreitas da Vila Estrutural. Raciocínio que usa como base a compreensão que o nós sempre vem antes do eu, que o plural sempre esteve presente nas periferias e que, principalmente, objetivos e metas nunca foram conjugadas de forma singular. 

“O que é do zotro não é meu, mas o que é meu tá aí pro zotro se precisar”, Djonga.

*Imagem destacada por Vitor Ramon

Bastidores do FP

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