“Durante a minha vida eu sempre me vi como menina e como menino. Faz parte de mim”

O debate sobre a população trans se tornou frequente nas redes sociais, nos livros, nos estudos acadêmicos. Nos últimos anos, novas demandas chegaram e a sociedade, ora binária e sexista, precisou se atentar para as identidades que circulam há muito nesse mundo, mas que receberam pouco espaço para falar sobre como se enxergavam e se sentiam. 

Junto a isso, também circulou a imagem do “biscoito de gênero” que explicava a separação do que é identidade de gênero, sexualidade e expressão de gênero, ferramenta que ajudou parte da população a entender de forma didática informações sobre outros corpos. Apesar do auxílio na explicação, ainda existem corpos que lutam para serem reconhecidos dentro de uma sociedade que insiste em reconhecer um corpo trans quando se é binário (uma figura masculina e outra feminina), invalidando pessoas que não se entendem dentro desses moldes. 

Kahleen Ariel, 24 anos, moradora da Ilha do Governador no Rio de Janeiro é uma pessoa não-binária (gênero fluido) e estudante de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ela, os desafios dentro do ambiente familiar sempre foram muito constantes por ser uma pessoa que não segue as expectativas dos outros sobre como ela deve expressar seu gênero.

“A relação com a minha família é complexa. Eu tenho a minha avó e a minha irmã que são super apoiadoras em relação a minha identidade de gênero. A minha madrinha, depois de dois anos de transição ela está começando a entender e tentando me respeitar e já me chama pelo meu nome além de usar os pronomes corretos. Mas o meu relacionamento mais complicado é com a minha mãe. No geral ela tenta, mas quando a gente acaba se desentendendo ela usa isso para falar coisas desnecessárias e que me magoam. Eu tenho um priminho de 3 anos que me trata no pronome correto e isso é muito bom. Ele é a pérola da minha vida” conta a estudante. 

O debate sobre o que é um padrão de beleza tem tomado forma para algo mais justo e honesto com a soma total da população do mundo. Ninguém é igual a ninguém, mas lidar com a expectativa de que a figura de uma mulher use saia e salto alto também é algo a ser questionado.

Para Kahleen, isso faz parte de um dos desafios quando você é uma pessoa trans e não-binária. “Eu sinto que o meu maior desafio foi entender qual era o corpo que eu queria ter, o que de fato seria ideal aos meus olhos no sentido de dizer que ‘esse é o meu corpo ideal’. Foi necessário entender o que era meu e o que era importado das outras pessoas para me encaixar em moldes. Hoje eu entendo que esse é o corpo que eu quero, que eu admiro e que me deixa feliz”.

Kahleen Ariel, 24 anos. Não-binária.

Para além da vivência da estudante, existe uma sigla que tende a aumentar na tentativa de acolher todas as pessoas e as suas vivências. Engana-se quem acha que dentro da comunidade LGBTQIA+ tudo está de acordo. Assim como a sociedade cisgenera e heterossexual, existem demandas e conflitos, o que impulsiona o debate para a validação do que o outro representa. Estudos já comprovaram que existe um número expressivo de gênero muito maior que 2, como por exemplo em Nova York, há 31 tipos de gêneros reconhecidos dentro do Estado. 

“A cada sigla que você vai adentrando, você acaba não enxergando muito do outro. Quando você é gay, você não pensa as vezes nas questões de pessoas trans, intersexos e nas pessoas não-binárias. Quando você é lésbica, você não pensa muito nas questões do gay. Assim como quando você é bissexual e consegue entender os dois lados. Para nós, pessoas trans, a gente entende todo mundo. Naquela frase da Ângela Davis diz que ‘quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’ entendo que quando pessoas T da sigla LGBTQIA+ se movimenta, muita coisa muda dentro da própria comunidade” desabafa. 

O mundo está aprendendo, ainda que de forma lenta a entender as outras narrativas. Há muito debate pela frente sobre gênero, raça e classe, mas a estudante falou sobre o que espera dos próximos 10 anos. “Eu tenho uma dificuldade com idade, com o tempo e com o envelhecer. Quero estar estabilizada como taróloga, terapeuta holística, estar formada na faculdade e quero ter a minha família”. E que assim seja, Kahleen.

Durante todo o mês de janeiro o Favela em Pauta irá soltar uma série de textos  sobre vivências de corpos trans em referência ao dia da visibilidade trans que é comemorado no dia 29 de janeiro. Para mais textos, fiquem ligados nas redes sociais do Favela em Pauta e vamos juntos! 

Bastidores do FP

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